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Augusto Nunes

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A missão da imprensa

Imagine-se o que ela não poderia fazer se assumisse as tarefas de trazer o debate político sempre para as causas essenciais dos nossos problemas

Por Fernão Lara Mesquita
Atualizado em 30 jul 2020, 19h36 - Publicado em 2 jul 2019, 13h27
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  • Fernão Lara Mesquita (publicado no Vespeiro)

    Quarta-feira passada Davi Alcolumbre comemorou como “um feito histórico para a democracia do Brasil” a aprovação do orçamento impositivo. Como sempre, deu-se o último passo antes de dar-se o primeiro. Colheu-se o fruto antes de plantar a árvore.

    Multiplicar por 5.594 (26 governadores e 5.568 prefeitos) os focos de dispersão do dinheiro público sem instalar antes uma democracia verdadeiramente representativa, como sonha fazer o ministro Paulo Guedes, já seria uma temeridade. Dar aos 513 deputados federais e aos milhares de estaduais e municipais carta branca para decidir como gastar nosso dinheiro sem meter-lhes antes na boca o bridão do voto distrital, da retomada de mandato (recall) e do referendo é nada menos que suicídio.

    Deputados e vereadores são eleitos às cegas por esses nossos “partidos” em metástase e sua lei eleitoral de enganar trouxa. Uma vez depositado o voto na urna, não nos devem mais nada. O dinheiro para a reeleição é tomado, e não contribuído. E podem voltar aos plenários sem um único voto se houver um palhaço popular o bastante para arrastá-los. Fica o contribuinte refém de legisladores que podem sacar da sua conta sem ter sequer de mostrar a cara e contra os quais ele não pode nada. E o pior é que como o slogan do “Menos Brasília, mais Brasil” já estava no ar não dá nem pra reclamar.

    Como parece complicado argumentar contra mais um princípio elementar da democracia a desconcentração do dinheiro dos impostos , fica o dito pelo não dito. Mas o caso é que é mais um que vai ser transformado no seu avesso. Esse tipo de tapeação é recorrente nessa nossa “democracia” que parece mas não é. Metade das denúncias de corrupção eleitoral apoiaram-se nesse tipo de manipulação. Primeiro “esqueceu-se” a diferença fundamental entre a sistematização da venda dolosa de votos e a aceitação de dinheiro de “caixa 2”. E então passou-se a dar como criminosas operações de financiamento de campanha que só mais além vieram a ser postas fora da lei. Com todos enfiados no mesmo saco tornou-se impossível tirar o País do impasse por dentro da política e o tão esperado combate efetivo à corrupção virou essa briga de bandidos no escuro que procura tornar indistinguível o joio do trigo e arrasta para a vala comum o que resta da política, do Judiciário e da imprensa sadios.

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    E taí o Brasil parado e estrebuchando…

    Tudo neste país está emaranhado na subversão sistemática da ordem cronológica e das relações de causa e efeito. Vivemos num turbilhão de ações e reações desencadeadas para conter a manifestação dos efeitos dos nosso problemas, nunca para eliminar suas causas, que ninguém mais sabe onde começa, de que vai resultando um frankensteininstitucional em marcha acelerada para o desastre.

    Na arte da construção de instituições um trabalho refinado ao longo de milênios de sangue, suor e lágrimas a ordem dos fatores não só altera, mas quase sempre inverte o resultado. Todas as corcundas e escolioses, todos os membros retorcidos ou atrofiados das nossas instituições decorrem do aleijão original da planta dos pés de todas elas: a desigualdade petrificada na Constituição, a distorção matemática da representação do País Real no País Oficial, a absoluta independência entre representantes e representados uma vez encerrada a eleição.

    É por isso que, de como (não) defender a própria vida ao que fazer com a Previdência, da sexualidade do seu filho ao regime de trabalho que melhor convém a cada um, do orçamento público à definição do próprio regime político, tudo pode ser e é discutido à revelia dos destinatários das leis e das providências que as “excelências” houverem por bem barganhar entre elas.

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    A ausência absoluta do eleitor nesses debates é o espaço vital da corrupção.

    O papel dos políticos nas democracias é ajustar os contornos das figuras a serem desenhadas pelo povo, não o contrário. O da imprensa é balizar e ditar o ritmo dessa operação a quatro mãos. Se ela pode constranger as autoridades a crer que a providência mais urgente e profícua que podem tomar por esta nação em guerra é criminalizar a heresia de descrer da nova “verdade anunciada” de que aquilo com que cada ser humano nasce entre as pernas não existe, imagine-se o que não poderia fazer se assumisse as tarefas de trazer o debate político sempre para as causas essenciais dos nossos problemas e de pôr debaixo dos narizes dos nossos representantes os consagrados remédios usados por quem já se curou há quase 200 anos das mesmas doenças de que o povo brasileiro continua condenado a parecer.

    É uma só humanidade que habita este mundo que começa na Venezuela e termina na China. Quando, na virada do século 19 para o 20, os Estados Unidos estiveram tão doentes de corrupção quanto o Brasil está hoje e seu povo se sentia tão impotente quanto o nosso, jornalistas foram em caravana à Suíça estudar as ferramentas de democracia direta com que aquele país se tinha livrado da mesma praga 30 ou 40 anos antes e voltaram para casa com a seguinte receita: “O povo suíço reconhece na iniciativa (de propor leis e de dar e tirar mandatos) e no referendo o seu escudo e a sua espada. Com o escudo do referendo afasta todas as leis que não deseja; com a espada da iniciativa abre caminho para transformar as suas próprias ideias em leis“. Foi esse “feito histórico” para as suas respectivas democracias que fez de ambos os dois povos mais livres e ricos da História da humanidade.

    A fórmula do remédio que pode curar a democracia brasileira não tem tradução em português. A missão da imprensa porventura interessada em livrar-se de ser confundida com os políticos pela opinião pública e acabar tendo o mesmo destino deles é ir buscar onde estiverem todas as soluções que aos grupos em disputa pelo poder só interessa esconder, dá-las a conhecer a este país doente e, assim, fazer o Brasil reconciliar-se com o Brasil.

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