PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO
O espantoso caso de Roger Pinto Molina, o opositor boliviano que está refugiado na embaixada brasileira em La Paz, completou um ano na terça-feira passada. Certo da tibieza do governo petista no trato com o presidente Evo Morales, que na última década tem desafiado o Brasil à vontade sem sofrer nenhuma consequência, o governo da Bolívia continua a negar a concessão de um salvo-conduto a Molina para que ele atravesse a fronteira e possa usufruir o asilo político que recebeu da presidente Dilma Rousseff. Mais uma vez, Morales testa os compromissos ideológicos do governo petista com o “bolivarianismo”, movimento em nome do qual o Brasil vem aceitando, docilmente, a arrogância dos vizinhos bolivarianos.
Dilma acertou ao conceder o asilo a Molina, senador que se refugiou na Embaixada do Brasil para não ser preso. O político é acusado pelo governo boliviano em mais de 20 processos que envolvem corrupção, participação num massacre de índios e conspiração para derrubar Morales. Molina nega tudo e se diz perseguido político. Começou a sofrer o assédio oficial depois de ter acusado um auxiliar direto de Morales de ser corrupto e de estar ligado ao narcotráfico. Considerando-se a tradição bolivariana de inventar denúncias contra seus adversários, para tirar a oposição do campo político e jogá-la no noticiário policial, Molina tem razão por temer por seu destino.
É da tradição brasileira conceder asilo a perseguidos políticos, sejam quais forem suas convicções ideológicas e sem considerar o mérito das acusações que estejam sofrendo. Dilma apenas seguiu o manual. A resposta a essa decisão, no entanto, veio na forma da intransigência de Evo Morales, que não vê problema nenhum em arriscar as relações com o Brasil quando lhe convém. Basta lembrar a ocupação militar de uma refinaria da Petrobrás, em 2006, liderada por Morales. Na ocasião, o Brancaleone andino não só não foi admoestado pelo governo Lula como ainda recebeu sua solidariedade, enquanto a Petrobrás contabilizava prejuízo bilionário.
O caso do senador Molina expõe a leniência e o duplo padrão moral da diplomacia petista quando se trata de enfrentar as desabridas atitudes dos bolivarianos. O opositor boliviano, de 53 anos, enfrenta há um ano duras condições de vida dentro da embaixada. Vive num espaço de cerca de 20 metros quadrados no primeiro andar do prédio e não pode sair para tomar sol. Foi proibido pelo Itamaraty de receber visitas de amigos e de correligionários e não pode conceder entrevistas.
O Ministério das Relações Exteriores argumenta que as restrições seguem a Convenção de Caracas, que normatiza a concessão de asilo diplomático e diz, em seu artigo 18, que os asilados não podem “praticar atos contrários à tranquilidade pública, nem intervir na política interna do Estado territorial”. No entanto, não houve o mesmo zelo legal quando o bolivariano Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras, se refugiou na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, em 2009. Durante os quatro meses em que Zelaya permaneceu no prédio, ele recebeu visitas as mais diversas, incitou simpatizantes à rebelião, deu entrevistas e denunciou a “ditadura” hondurenha, sem que fosse repreendido.
No caso de Molina, seu advogado, que acusa a diplomacia brasileira de fazer “corpo mole”, pediu ao STF que mande o Itamaraty fornecer a seu cliente um carro do corpo diplomático para que ele possa deixar a Bolívia, independentemente da concessão de salvo-conduto. Enquanto isso, parlamentares governistas sugerem que Morales está usando os 12 corintianos presos desde fevereiro pela morte de um torcedor boliviano como moeda de troca para pôr as mãos em Molina. Há também a possibilidade, proposta pela Bolívia, de que Molina receba permissão para ir ao Peru, mas não está claro se ele receberia garantias de que de lá não seria repatriado.
Em qualquer desses casos, será inadmissível se Dilma se dobrar às chantagens bolivianas e não exigir garantias críveis de que Molina não será entregue a seus algozes.