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Augusto Nunes

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‘Cenas de aeroporto’, por Lobão

Publicado na edição impressa de VEJA LOBÃO No mês passado, voltava de um show em Belo Horizonte quando, na saída do hotel, dei por falta da minha carteira com todos os documentos dentro. Como tinha de voltar naquele dia para São Paulo, disseram-me que deveria seguir para o aeroporto e registrar um B.O. para apresentar […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 04h15 - Publicado em 15 mar 2014, 19h00

Publicado na edição impressa de VEJA

LOBÃO

No mês passado, voltava de um show em Belo Horizonte quando, na saída do hotel, dei por falta da minha carteira com todos os documentos dentro. Como tinha de voltar naquele dia para São Paulo, disseram-me que deveria seguir para o aeroporto e registrar um B.O. para apresentar no embarque.

Era um domingo quente e ensolarado. O a­r-condicionado do Aeroporto de Confins estava quebrado, a rede de wi-fi não funcionava direito e o barulho das obras da Copa que não terminam nunca era infernal. Para quem viaja pelo Brasil, ver aeroporto em obras é uma rotina deprimente. Em Guarulhos, embarquei num puxadinho infame feito às pressas, na base do gatilho. Em Goiânia, cheguei a ter como sala de embarque uma barraca de exército. E as tais “arenas” da Copa? Tudo feito de supetão. No ano passado participei de um show no Mané Garrincha, em Brasília, e constatei que o serviço de engenharia acústica não tinha sido feito. Imaginem só, Brasília, que mal tem futebol de várzea, constrói uma arena destinada a receber megashows… e não se preocupa em fazer o tratamento acústico!

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Voltando a Confins: na sala da Polícia Civil, falei para o senhor corpulento e suado atrás da mesa que havia perdido a minha carteira com todos os documentos, que meu voo estava marcado para dali a uma hora e eu precisava fazer um B.O. Ele me encarou com surpresa e estupefação: “Mas o senhor tem de provar que o senhor é o senhor. Tem algum documento que possa comprovar isso?”. Expliquei que estava lá justamente porque tinha perdido meus documentos e que, se tivesse um, poderia ter embarcado. “Se o senhor não pode me provar que o senhor é o senhor, vou logo avisando que não vai poder embarcar. Imagina só se o senhor está dizendo que é o senhor e, de repente, estou falando ─ nada pessoal, veja bem ─ com um bandido? Na semana passada mesmo eu atendi um sujeito que depois vim a saber que era do PCC… É mole?”

Retorqui que era um cidadão que pagava impostos, estava pedindo ajuda do poder público, e o poder público não podia me tratar como suspeito. A temperatura começou a subir, com ele me mandando abaixar o tom de voz, e eu dizendo que ele não era pago para suspeitar de mim. A essa altura do campeonato, o Bira, amigo e produtor que me acompanhava, tentou acalmar os ânimos informando o número do meu CPF e o da minha identidade, mas a emenda saiu pior que o soneto. “Não sabe o número da identidade nem o do CPF, não? É a mesma coisa que não saber o nome do pai ou da mãe!” Eu disse: “Mas o meu amigo não acabou de lhe dar?”. “Hummm”, grunhiu ele, “receio que isso não vai adiantar muito, não.” Perguntou se eu morava em BH. “Não? Em São Paulo? Aí piorou a sua situação. Pelos meus cálculos, até fazer a busca no computador, periga de o senhor ter de pernoitar aqui, viu?”

Diante disso, achei melhor dar uma respirada lá fora. Quando voltei à rinha, nova surpresa. O senhor rotundo e suarento disparou: “É, me parece que o senhor tem um inquérito policial na sua ficha lá em São Paulo. Isso, pra mim, não faz muita diferença, uma vez que ainda (ainda!!) não há mandado de prisão. O senhor até que tem sorte, mesmo com a ficha suja vai poder até viajar”.

Ficha suja?… Inquérito policial? Mas o que é isso? Comecei a dizer que não tinha nenhuma ficha suja, mas ele foi logo me cortando ─ “Não quero saber de detalhes. Pra mim, basta não ter ordem de prisão”. Perdi o voo por cinco minutos. Tive de pagar uma nova passagem. Ficamos, eu e o Bira, mais duas horas naquele calor exalando paralisia, ouvindo o barulho daquelas obras intermináveis e fazendo a inevitável pergunta: imagina na Copa do Mundo? A essa altura, tinha falado por telefone com a minha mulher. O tal “inquérito policial” era na verdade uma queixa que fizemos no ano passado contra uma ex-vizinha que colecionava cães ─ os bichos faziam um barulho infernal. Ou seja: outro pedido de ajuda ao poder público que se virava contra o cidadão que pediu ajuda. Tomamos uma cerveja e embarcamos convictos de habitarmos uma Terra do Nunca em que nada leva a lugar nenhum. A vítima vira infratora, a incompetência é vendida como prosperidade, o obtuso é o virtuoso e os medíocres são os grandes vencedores. Aqui, só a mamata é levada a sério.

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