O cérebro, órgão que guarda dos nossos instintos mais básicos aos raciocínio mais complexos, é um dos maiores mistérios da ciência. Seu funcionamento básico é bem elucidado – pelo menos em sua maioria – mas muito ainda precisa ser compreendido sobre como todas as partes interagem para compor quem somos. Para que isso aconteça, mais um caminho acaba de ser dado: pela primeira vez, cientistas mapearam todas as conexões de um cérebro adulto.
Não, ainda não é um cérebro humano. O órgão que os pesquisadores conseguiram decodificar foi o de um ser chamado Drosophila melanogaster, espécie conhecida popularmente como mosca de frutas. E foi um trabalho hercúleo: no total, são quase 140 mil neurônios e mais de 50 milhões de sinapses.
Pode parecer pouco, afinal, é só uma mosca, mas a conquista marca um ponto de virada na neurociência. “Se quisermos entender como o cérebro funciona, precisamos de uma compreensão mecanicista de como todos os neurônios se encaixam e deixam você pensar. Para a maioria dos cérebros, não temos ideia de como essas redes funcionam”, explica Gregory Jefferis, membro do consorcio FlyWire e autor de um dos artigos publicados na Nature, em comunicado.
E completou: “As moscas podem fazer todo tipo de coisas complicadas, como andar, voar, navegar, e os machos cantam para as fêmeas. Os diagramas de fiação cerebral são um primeiro passo para entender tudo o que nos interessa – como controlamos nossos movimentos, atendemos o telefone ou reconhecemos um amigo.”
Esforços como esses já foram feitos antes, mas eles foram capazes de mapear áreas menores ou o cérebro de criaturas menos complexas. A comparação entre o trabalho mais recente e os anteriores levou os cientistas a uma conclusão: a maneira como as conexões acontecem não mudam de uma amostra para outra, o que sugere que, de maneira geral, todos os cérebros são bem parecidos uns com os outros.
Isso é importante porque isso não apenas permitirá uma melhor compreensão de como o cérebro funciona, mas também permitirá um entendimento mais acurado dos mecanismos por trás das diferentes patologias. “Nós deixamos todo o banco de dados aberto e disponível gratuitamente para todos os pesquisadores”, disse Mala Murthy, outra das autoras. “No futuro, esperamos que seja possível comparar o que acontece quando as coisas dão errado em nossos cérebros, por exemplo, em condições de saúde mental.”
Para fazer o mapa, os pesquisadores fatiaram os pequenos cérebros (cada um tem cerca de 1 milímetro, apenas), escanearam essas fatias e salvaram em um banco. Depois disso, os mais de 100 terabytes de dados foram analisados por uma inteligência artificial (IA), capaz de montar um mapa tridimencional com base nas imagens escaneadas. Depois disso, os mais de 287 pesquisadores envolvidos trabalharam para garantir que o mapa gerado estava correto, já que as IAs podem cometer erros.
Depois de construído, o mapa permite, não apenas ver o cérebro em detalhes, como também possibilita simular seu funcionamento, para entender como o estimulo em uma determinada área afeta ou se relaciona com a resposta de outros setores do órgão. “Agora podemos fazer mapas precisos de nível sináptico e usá-los para entender melhor os tipos de células e a estrutura do circuito em escala cerebral total”, disse Davi Bock, também coautor do trabalho.
O futuro guarda muitas notícias emocionantes sobre poderoso órgão que nos permitiu chegar até aqui.