Há 240 milhões de anos, quando os dinossauros ainda não haviam estabelecido seu longo e bem-sucedido império, a Terra era repleta de precursores de mamíferos e uma infinidade de répteis. O registro de um deles acaba de dar as caras no Rio Grande do Sul. Trata-se do primeiro fóssil encontrado no Brasil de um grupo de pequenos predadores que têm um parentesco com os crocodilos.
O fóssil do pequeno animal estava incrustado em uma rocha encontrada por Pedro Lucas Porcela Aurélio, um entusiasta da paleontologia. Após doar o material para Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia, na Universidade Federal de Santa Maria (CAPPA/UFSM), ele foi cuidadosamente libertado da rocha pelo pesquisador Rodrigo Temp Müller. “As vértebras estavam expostas, mas aos poucos deu para ver a cintura pélvica e parte das pernas”, disse o paleontólogo a VEJA. “Quando a órbita ocular apareceu, porém, deu pra ver que era um fóssil bem completo, o que é difícil de encontrar.”
O que se sabe sobre esse animal?
A nova espécie foi descrita em um artigo publicado nesta quinta-feira, 20, no periódico científico Scientific Reports, e recebeu o nome de Parvosuchus aurelioi. A primeira identificação nome significa “crocodilo pequeno”, enquanto a segunda foi dada em homenagem ao seu doador.
O pequeno réptil faz parte do grupo dos Gracilisuchidae, espécime de carnívoros com cerca de um metro de comprimento que se alimentavam de pequenas presas. Esse é um dos menores animais dentro de um grupo maior conhecido como Pseudosuchia, linhagem que futuramente daria origem aos crocodilos. “O mais interessante dessa descoberta é que ainda não existiam fósseis deste grupo no Brasil”, diz Müller.
O achado animou os pesquisadores, porque até agora, só existiam outros três fósseis pertencentes a esse grupo no mundo. Dois descobertos na Argentina e um, na China. Por esse motivo, por enquanto, não se sabe muito sobre os comportamentos do animal. Já é possível, no entanto, dizer que eles eram exclusivamente terrestres e carnívoros, características denunciadas, respectivamente, pela posição das patas e pelo formato dos dentes.
Esse grupo conviveu com os dinossauros?
Esse antepassado indireto dos crocodilos vivia onde hoje fica a cidade sulriograndense de Paraíso do Sul, há 237 milhões de anos. Hoje, acredita-se que eles não chegaram a conviver com os dinossauros, porque não existem fósseis do gracilissuquideos no período em que os primeiros representantes desse grupo apareceram, há 230 milhões de anos. Isso, no entanto, pode mudar.
Em 2022, um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul descreveu uma espécie de pterossauros chamada Maehary bonapartei que teria vivido há 225 milhões de anos. Como o fóssil não era dos mais completos, no entanto, essa definição não é tão precisa. Posteriormente, outro artigo sugeriu que esse registro histórico poderia pertencer a um gracilissuquideo. “Se isso for mesmo confirmado, será possível dizer que os animais desse grupo conviveram com os primeiros dinossauros”, diz Müller. “Ainda seria possível afirmar que essa convivência levou a uma redução no tamanho dessas espécimes, já que o M. bonapartei tinha apenas 30 centímetros de comprimento.”
Por que tantos fósseis no sul?
Existem fósseis paleontológicos espalhados por todo o país, mas as formações sedimentar na região central do Rio Grande do Sul possuem uma formação geológica que propiciou a conservação de fósseis do período triássico (252 a 201 milhões de anos atrás).
Outro sítio paleontológico famoso no país fica na região do Cariri, que conservou registros históricos de um período posterior, que abarca a existência de parte dos dinossauros. “Os fósseis do sul tem uma boa qualidade, mas na bacia sedimentar do nordeste o nível de preservação é surpreendente”, afirma Müller.
Quais os próximos passos?
O período triássico se da pouco tempo depois de uma das maiores extinções em massa já ocorridas no planeta. Por esse motivo, os sítios ecológicos estavam majoritariamente livres, o que possibilitou uma grande diversificação das espécies.
Por esse motivo, mais escavações continuarão sendo feitas para compor uma imagem mais precisa da evolução das espécies neste período, possibilitando uma maior compreensão de como a vida chegou até aqui.
Quanto ao Parvosuchus aurelioi, ele continuará sendo estudado pelos pesquisadores e passará por análises que permitirão extrair ainda mais informações sobre essa espécie. Enquanto isso, ele ficará exposto no museu da Universidade de Santa Maria, onde poderá ser visitado por moradores.