No fim do ano passado foi publicado que o Brasil teria superado o Canadá e se tornado a nona maior economia do mundo, feito devidamente comemorado pelo governo. Apenas não é verdade. Medida da maneira correta, a posição do país no ranking das economias globais permanece a mesma desde 2017, com exceção de uma breve queda para o nono lugar em 2019.
Há uma dificuldade inerente para comparar o valor do PIB de cada país num determinado período: o produto brasileiro é estimado em reais, o americano em dólares, o canadense em dólares… canadenses. Para começar, o valor do PIB de cada país teria de ser expresso numa moeda comum, por convenção o dólar americano.
A questão, porém, passa a ser como faríamos tal conversão. O jeito mais fácil, mas que leva ao tipo de erro apontado acima, seria o uso da taxa de câmbio (o preço do dólar) observada no período em questão.
O problema é que tal medida não leva em conta as diferenças do custo de vida entre países, além de ser afetada pelas flutuações do valor da moeda. O dólar custou em média 4,99 reais em 2023, comparado a 5,16 reais em 2022. Mesmo que o PIB do Brasil tivesse ficado inalterado no ano passado, apenas o barateamento do dólar no período teria elevado seu valor em dólares em 3,4%.
“A história de termos superado o Canadá é apenas barulho. O nosso PIB per capita é o 77º do mundo”
A forma como economistas lidam com essa questão é o uso de uma taxa “ideal” de câmbio, denominada “paridade de poder de compra” (PPC). É menos complicada do que o nome sugere. Define-se, para começar, um conjunto de bens e serviços consumidos nos diversos países: certa quantidade de alimentos, quanto custa para alugar determinado tipo de imóvel, tantas passagens de ônibus e demais itens consumidos por uma família média.
Digamos que essa cesta custe 100 dólares nos Estados Unidos, 513 reais no Brasil e 120 dólares canadenses no Canadá (não estamos muito preocupados com o realismo neste exemplo). No caso, diríamos que a taxa de câmbio de PPC no Brasil seria 5,13 reais e no Canadá 1,20 dólar canadense. De posse dessas estimativas do câmbio “ideal” podemos estimar o valor do PIB brasileiro, canadense, chinês ou afegão, já devidamente ajustado às diferenças de custo de vida nesses países e sem preocupação com flutuações de curto prazo das moedas.
É bom deixar claro que essas estimativas não são perfeitas. Dependem, por exemplo, da definição do conjunto de bens e serviços que usamos para construir o custo de vida em cada economia. De qualquer forma, são muito melhores que a mera conversão do PIB doméstico em dólares pelo uso da taxa de câmbio em certo período.
Feito o ajuste, no caso usando a metodologia do FMI, descobrimos que o Brasil tem o oitavo maior PIB do mundo desde 2017 (exceção feita, como notado, a 2019), atrás de China, Estados Unidos, Índia, Japão, Alemanha, Rússia e Indonésia (em 2023). E o Canadá? No ano passado, por essa métrica era a 16ª maior economia do mundo…
A história, portanto, de termos superado o Canadá no ano passado é apenas barulho, sem maior conteúdo de informação. Além de tudo o que foi apontado aqui, o ajuste da economia pelo tamanho da população (PIB per capita) nos colocaria na gloriosa 77ª posição.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875