Dizia Umberto Eco: “As mídias sociais deram o direito à fala a uma legião de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”. A constatação do genial escritor italiano, morto em 2016, se traduz no agora popular termo “discurso do ódio”. Nos vilões raivosos da web que espalham máximas racistas e misóginas, ameaças a outras pessoas, bullying etc. Seres que, usualmente, ainda se apoiam na própria covardia para tal. Pois a internet concedeu a possibilidade, inédita na história, de agredir a outros indivíduos de forma completamente anônima. Xinga-se, fala-se em morte, decreta-se a condenação alheia, sem se sair de trás do teclado do smartphone, protegido pela cortina digital proporcionada pelas redes sociais. Contudo, tudo indica que neste ano começaram a aparecer soluções para detectar esses odiosos, os “haters”, da internet. Mais que isso, para expulsá-los dos ambientes nos quais tanto gostam de destilar maldade, as redes sociais.
A última novidade veio do Twitter. O criador e CEO do site, Jack Dorsey, anunciou neste mês que irá ser mais rígido com os haters. Prometeu ele: “Vemos vozes sendo silenciadas no Twitter todos os dias. Nos últimos dois anos, estamos trabalhando para contra-atacar (…) Atualizamos nossas políticas e aumentamos nossos times. Não foi o suficiente (…) Trabalhamos intensivamente nos últimos meses e agora focamos em tomar decisões críticas (…)”. Segundo Dorsey, agora não serão aceitos: “assédio sexual virtual, divulgação não-consensual de nudes, símbolos de ódio (a exemplo da suástica), grupos violentos e tweets que glorifiquem a violência.”
Ainda não se sabe quais serão, na prática, as estratégias anti-ódio do Twitter. Contudo, é fácil especular que ele, o site, seguirá os passos de seu maior rival, o Facebook. Enquanto no ano passado executivos do primo mais poderoso – incluindo aí o CEO Mark Zuckerberg – afirmavam que eram exageradas as alegações como as de que os haters online influenciam em eleições (a exemplo da última campanha presidencial americana) ou na difusão das fake news, agora eles levam o assunto cada vez mais a sério. Contrataram uma tropa de funcionários para monitorar posts e vídeos, dotaram o algoritmo por trás da página com maiores capacidades para detectar lives perigosos etc.
As medidas não são sem motivo. Lembra de quando o ódio tomou Charlottesville, em Virgínia (EUA)? Sabe, aquele dia em que supremacistas brancos invadiram as ruas com tochas, em movimento que levou à morte de uma pessoa, atropelada? Pois tudo começou no Facebook, pelo grupo “Unite the Right” (Una a Direita). Uma das razões de se ter conseguido organizar tal “manifestação” (as aspas são propositais): a facilidade proporcionada pelas redes sociais. Isso mesmo que, um dia antes, o Facebook tenha banido a mesma página de seu site.
O Facebook tem provado seu empenho. Deletou outras páginas de ódio, como a “Right Wing Death Squad” (O Esquadrão da Morte da Direita). E também anunciou ações contra bullying, misoginia, racismo etc. Enquanto isso, o Twitter continuava sendo conhecido como o lugar para se falar qualquer coisa, mesmo coisas odiosas. Tudo protegido pelo anonimato (em teoria, proibido no Facebook). Sim, a liberdade de expressão está na raiz do Twitter. Mas também estão lá os haters.
Jack Dorsey agora diz que não quer mais ódio em seu site. Será que dará certo? É óbvio que será impossível flagrar todos os haters.com, impedindo-os de tomar suas ações vilanescas. Assim como é impossível reprimir totalmente o crime off-line. Contudo, tudo indica que as redes sociais começaram a se preocupar com algo além de “mamilos, peitos e pênis” (leia este texto sobre o assunto, deste blog). E começaram a atentar ao que realmente importa: não ser porta para criminosos, incitadores da violência… pros haters.
Tido como o “pai da internet”, por ter criado avanços que permitiram a existência da web tal qual conhecemos, o cientista da computação inglês Tim Berners-Lee já ressaltou, mais de uma vez, o quanto está preocupado com essa situação toda. Quando idealizou sua inovação, Berners-Lee tinha uma visão utópica. “Ela (a internet) foi desenhada para ser universal. A meta era quebrar nichos e separações”, disse ele. Seu grande desejo era conectar todos do planeta (agora, se está perto disso, com o Facebook) e, com isso, promover a liberdade de expressão, os direitos humanos e por aí vai. Porém, a seu ver, hoje a web se tornou uma praça de “agressores misóginos, pessoas nojentas que são perversas apenas para provarem que são nojentas” (leia: haters).
Na última década, apostava-se numa solução meio século XX para esse problema. Acreditava-se que caberia a governos desenhar regras para a internet, incluindo punições para quem passasse dos limites. Só que interferências estatais não deram muito certo até agora. Afinal, a internet, e suas crias, como o Facebook e o Twitter, são globais. Só no Facebook, convivem 2 bilhões de pessoas, das mais diferentes crenças, etnias, culturas, origens. Como administrar isso?
Agora se sabe, criando regras internas que possam punir os que não compreendem (ou rejeitam) os princípios mais básicos de respeito ao próximo, de direitos alheios, de, afinal, bom-senso e humanidade. No caso do discurso do ódio, isso representa não permitir a incitação de atos violentos, a perseguição, individual ou coletiva, a quem pensa diferente, agressões gratuitas e sistemáticas, e ameaças que possam ser concretizadas na vida real. E ações nesse sentido são urgentes. Afinal, hoje, em países desenvolvidos como os EUA, quase metade da população declara ter o Facebook como sua “principal fonte de notícias”.
Em tempo: uma das primeiras respostas de usuários ao tweet anti-ódio de Jack Dorsey foi “Siga seus próprios termos de serviço e elimine o perfil @realDonaldTrump”.
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