O YouTube Kids foi lançado em 2015 para, em teoria, servir de filtro para o que crianças assistem na internet. Como no YouTube original há, digamos assim, de tudo (de vídeos de terroristas a grupos de pedófilos), o Kids serviria como um lugar seguro onde se poderia deixar os filhos navegando. Porém, não demorou para se revelar que lá não é tão seguro assim. Muito pelo contrário – e em mais um capítulo das dores de cabeça que têm incomodado o YouTube nas últimas semanas.
Desde a estreia do aplicativo começaram a aparecer publicações com desenhos animados se matando; outros que abordavam atos sexuais; etc. No ano passado, revelou-se que haviam até gravações ensinando jovens a se suicidar. Sempre que esses problemas se tornam públicos, o Google, dono do YouTube, logo responde, dizendo que deletou os conteúdos e que aprimorou seu algoritmo e seus métodos de peneira para que esse tipo de vídeo não mais apareça no Kids.
Só que, nos últimos dias, vídeos que literalmente ensinam crianças a se matar voltaram a se disseminar, em nova onda. A denúncia começou quando uma blogueira estadunidense, mãe e pediatra, flagrou uma dessas gravações, na qual um homem exibia exatamente onde se deve cortar o pulso.
(A questão fica ainda mais grave quando se leva em conta que, entre 2000 e 2015, o número de suicídios na faixa dos 10 aos 14 anos saltou 65%. Dentre os adolescentes de 15 a 19 anos o crescimento também foi alarmante: 45%)
O que o YouTube promete agora? Mais uma vez, deletar os vídeos e fazer o possível para que as filmagens impróprias não entrem no Kids novamente. Será que isso dá certo?
É óbvio que não. Para cada ação de contenção tomada na internet, há um batalhão de indivíduos perturbados mundo afora trabalhando para contorná-la. Assim como é, na prática, inviável acabar com a atividade de criminosos em redes sociais, como no próprio YouTube, por enquanto não se vê uma real possibilidade de impedir que desvios sejam exibidos no YouTube Kids. E para crianças. O Google, dono do YouTube, no máximo realiza manobras pontuais para conter crises igualmente pontuais – e, pelo que se indica, tão-somente quando esses casos ganham grande repercussão pública.
Então, o que resta fazer para que um jovem não se depare com esses vídeos? É simples: não confiar a educação dos filhos ao YouTube, ao Facebook, ao WhatsApp.
O cerne do problema, convenhamos, não está no YouTube. Nem no Facebook. Nem no Twitter. Mas nos pais. Aqueles pais do século XXI que adotaram o costume de usar o iPad como babá. Que, para se afastar de problemas de seus filhos, colocam uma tela com youtubers à frente deles. E nem acompanham o que eles veem na internet.
Ou seja, tudo seria melhor resolvido se esses pais deixassem de jogar seus filhos no mundo virtual, abandonados, navegando sozinhos – no máximo, com amiguinhos – em barcos no meio de uma tempestade que não entendem. A solução seria da mais fácil: acompanhar as crianças nas aventuras pela internet. Se não sempre, ao menos na maior parte das situações.
Assim, quando um vídeo bizarro (ou perigoso) surgisse no YouTube Kids, por exemplo, os pais poderiam orientar o filho a como lidar com a situação (serviria depois, inclusive, para quando o menino ou menina voltasse a encarar o problema, aí sozinho ou com colegas). Além disso, os adultos também conseguiriam assim ter ciência não só sobre o que está sendo visto. Mas também acerca do tipo de mensagem que está sendo absorvida pelas crianças; com quais youtubers os filhos estão se identificando; as ideias expostas por esses famosos, e que têm sido reproduzidas pela juventude.
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Adotar esse tipo de atitude é, digamos assim, bem mais trabalhoso do que simplesmente culpar o YouTube e os youtubers por tudo (tratei disso também em vídeo aqui em VEJA). Não é verdade? Porém, assim os pais exibiriam que estão realmente preocupados com a – e próximos da – criação de seus filhos. E dessa forma não teria mais qualquer youtuber capaz de afetar mais as decisões das crianças do que seus próprios pais.
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