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Por que num mundo conectado não faz sentido o repúdio aos refugiados

A internet, as redes sociais, e tudo que surgiu com essa onda tecnológica, é fruto da intenção de acabar com as fronteiras que nos separam. Não o contrário

Por Filipe Vilicic 24 ago 2018, 17h53

Repare que o título não se trata de uma pergunta, mas de uma afirmação. São muitos os motivos que não justificariam uma reação contrária ao abrigo de refugiados, sejam venezuelanos no Brasil ou sírios e afegãos em países como a Alemanha. Por exemplo, no fim, nações do Novo Mundo, como o Brasil e os EUA, são formadas apenas por refugiados. Ou seja, não há uma verdadeira história (por mais fantasiosa que seja) nacional que nos una, além da de sermos fugidos do Velho Mundo. Além disso, vivemos num mundo globalizado, de fronteiras questionáveis, e que achou a paz pós II Guerra Mundial justamente enfrentando nacionalismos extremos como fora o nazismo, em favor da conclusão óbvia de que pertencemos a uma mesma raça, única, e estamos juntos na peleja do viver. Agora, ao que mais me cabe nessa coluna, rejeitar refugiados nada tem a ver também com a plataforma pela qual os extremistas mais se manifestam hoje contra esses mesmos refugiados: a internet.

Segundo o próprio criador da web tal qual conhecemos, um celebrado progressista, o cientista inglês Tim Berners-Lee, a internet foi feita como “uma plataforma aberta que permite conectar qualquer um para compartilhar informações, acessar oportunidades e colaborar sem importar as fronteiras geográficas”. Acrescentou, ainda, em uma carta aberta que divulgou recentemente: “Quero que a rede reflita nossas esperanças e preencha nossos sonhos, em vez de magnificar nossos medos e aprofundar nossas divisões”.

Numa visão que talvez soe até inocente, Berners-Lee pretendia com isso mostrar a todos que a humanidade é uma só e que, ao compartilhar nossas vidas online, comunicando-se, perceberíamos que deveríamos agir impulsionados por essa máxima. Em seu início a internet deu certo, servindo à multiplicidade das facetas do Homo sapiens, aproximando indivíduos, no lugar de colocá-los em conflitos. Alimentou, assim, a democracia, o liberalismo, o progressismo. Exibindo quão primata, em vários sentidos da palavra, são o nacionalismo, o autoritarismo, o racismo e por aí vai.

Só que em seu início a internet era utilizada majoritariamente por cientistas. Cientistas, provavelmente em consequência de muita instrução, não são primatas (tirando aí, numa ironia, no sentido científico da palavra). Ocorre que a popularização da rede acabou por trazer os exemplares mais primatas (não no sentido científico) da civilização para ela. E a coisa desandou.

Aí surgiram aqueles xenófobos que querem reprimir, expulsar, quando não exterminar, categorias inteiras de indivíduos, tratando-os como não-humanos. Esses primatas tomaram muitas partes das redes sociais. Em especial, convenhamos, o Facebook.

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São eles, encampados por saudosistas do passado ditatorial, como Bolsonaro, que disseminam ódio, transvestido de racismo e xenofobia, pela internet. Espantam, assim, inclusive Tim Berners-Lee. Porém, como eu, o cientista inglês tem esperança. Ele é bem positivo, aliás.

Em suas duas últimas cartas abertas, assim como em recente entrevista a VEJA, Berners-Lee destacou como a rede ainda pode ser repensada, reformulada, para reconstruí-la novamente para condizer com sua função primária de nos aproximar e nos unir, superando as distinções culturais, de etnia, de opiniões políticas. Pode, sim, ser uma utopia. Mas sem vislumbres utópicos no horizonte, por mais que não sejam possíveis de serem concretizados como imaginados, a civilização jamais andou para frente. Pelo contrário, foi para trás.

No caso dos venezuelanos que começamos a receber no Brasil, vale a mesma lógica. Àqueles que celebram o advento da internet deveria caber também a celebração da diversidade humana, o que inclui a empatia necessária para abrigar nossos iguais que fogem de lugares que representam tudo aquilo que a rede não deveria refletir, como a ditadura da Venezuela. A internet sempre foi sobre acabar com as fronteiras e as barreiras que nos separam.

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Caso pense o contrário, a democracia, assim como a internet, permite que você se expresse. Contudo, é importante ter a ciência de que seu pensamento talvez leve ao fim da internet como você conhece agora no Ocidente (pode começar a parecer mais com como é na China) e também a um caos democrático que, no extremo, pode acabar com o direito de você mesmo dizer a asneira que quiser no Facebook.

Resumo: a internet foi feita para nos unir. Se gosta dela, poxa, apoie essa união. Se não… pode ser que em breve tenha de lidar com as consequências do mundo obscuro que você está tentando criar.

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