Na segunda-feira, um texto na Folha de S. Paulo apontava os chamados influenciadores digitais – assim definidos no jornal: “algum tipo de celebridade da internet capaz de modificar a opinião alheia” – como potencialmente decepcionantes. Afinal, eles não estariam associados a “habilidades específicas, tais como cantar, dançar ou representar”; mas, sim, seriam “reconhecidos por ações mais cotidianas, como ensinar maquiagem ou jogar videogames”. Entretanto, o artigo se prova equivocado. Primeiro, por não compreender a real dimensão desses “influenciadores digitais”. Segundo, por dizer que atividades como “maquiagem” ou “jogar videogames” não podem ser tidas como profissionais.
Uma vez, fiz a conta: já entrevistei mais de 120 desses “influenciadores digitais”, em especial youtubers e instagramers (visto que meu último livro, O Clique de 1 Bilhão de Dólares, é justamente sobre a criação deste último fenômeno). Comecemos pelo mais, digamos, fácil de captar. É superficial apontar que um gameplay exibido no YouTube é coisa (só) de moleque e meninas, ou de amadores. Há um bom tempo que jogar videogame virou, também, uma forma de ganhar dinheiro (saiba mais neste link).
Em uma reportagem recente de VEJA, assinada por mim, detalhei como é o treinamento desses nomeados de “atletas de eSports”, que chegam a contar, no Brasil, com renda mensal superior aos 30 000 reais (nos EUA, no Japão e na Coreia do Sul, lucram bem mais). Muitos desses compartilham suas jogadas em vídeos pela internet. Será mesmo que alguém que faz uma tarefa o dia inteiro, tem uma dura rotina de treinamentos, e fatura salário de executivo com isso, não pode ser considerado dono de uma “habilidade específica”? E o que dizer, por exemplo, de maquiadores e maquiadoras profissionais que divulgam dicas no Facebook, no Instagram, no YouTube? Não demonstram alguma “habilidade específica”? No YouTube, por exemplo, há até uma costureira profissional (professora da técnica), com quase 100 000 fãs, músicos formados falando de seu metiê e médicos sugerindo formas mais saudáveis de se viver.
Frente a isso, pode-se ainda retrucar, afirmando que as celebridades onlines “mais famosas” não são assim. Ledo engano. O Pipocando (quase 3 milhões de seguidores), sobre cultura pop, é elaborado por uma produtora profissional que, além do canal no YouTube, faz criações diversas, como toda a programação voltada a clientes da Sky (veja só a ironia: na TV!). A Lully (300 mil), que opina sobre cinema, é formada no ramo. Kéfera (10 milhões) é atriz profissional – por que ela seria diferente, por exemplo, de uma global (obs.: ela já foi convidada a trabalhar na Globo, aliás)? Mais que ser um “influenciador”, Whindersson Nunes (17 milhões) é comediante de carreira, com lotados shows de stand-up comedy. Na mesma linha, ainda poderia citar: Porta dos Fundos, Fábrica de Monstros, Matemática Rio (de um professor da disciplina), o Física Total (também de um educador do ramo) e tantos outros; ou músicos que surgiram na internet (e dificilmente teriam espaço fora dela caso não chegassem, antes, à fama nas redes sociais), como Liniker, Luan Santana e (olhe só!) Justin Bieber.
“Mas e os vloggers? Eles, sim, não teriam ‘habilidade específica’”. Aí existe um outro erro. Seja em revistas, jornais, na TV, no rádio, em praças públicas, sempre houve indivíduos que ganham a vida tecendo crônicas de suas próprias vidas. A única diferença é que agora há novas plataformas — as digitais — para tal. E, aí, reside o equívoco maior: julgar a novidade. Estipular que esses influenciadores são, digamos, “bobagem”, ou “decepcionantes”, representa analisar um fenômeno da década de 2010 com os olhos dos idos de 1990. É como uma mãe que vê o filho assistindo ao YouTube, ou jogando videogame, e acha que aquilo é “algo menor” que curtir um filme ou praticar futebol. Esse tipo de crítica só se dá por essa “mãe” não ser acostumada com games, ou vídeos online; contudo, é familiarizada com cinema, ou esportes tradicionais. Numa outra comparação, afirmar que influenciadores digitais são restritos a discursar apenas sobre futilidades reproduz um discurso muito similar ao de um pai que espera que seu filho curse, somente, engenharia, medicina ou direito, visto que as outras profissões seriam “menos nobres”.
“Ah, Vilicic, mas tem muito amadorismo, muita estupidez, na internet”. É verdade. Assim como existem esses elementos, em abundância, em todo o mundo. Como o Facebook, o Instagram, o YouTube, o Snapchat, dão voz aos indivíduos sem a necessidade de um intermediador (como uma emissora de TV), é óbvio que se multiplicam produções de péssima qualidade. Contudo (e aí está o segredo do sucesso dos tais “influenciadores”), a gama de gente que nada tem a falar é eliminada pela própria plataforma. Isso porque, quem é de “péssima qualidade” dificilmente ganha views, fãs, repercussão, anúncios e, logo, dinheiro. Sobrevivem, e se firmam como “influenciadores”, aqueles que despontam por apresentarem algo que o público realmente quer ver. Os que têm, portanto, uma “habilidade específica”. Ou seja, a regra do sucesso continua a ser a mesma que sempre imperou na indústria do entretenimento.
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Obs.: “ah, Vilicic, mas qual é a graça de ver um tutorial de maquiagem ou um gameplay de Counter-Strike?”. Para alguns, pode não ser divertido. Para milhões, porém, é – eu curto mais assistir a uma jogada de Call of Duty no YouTube do que uma partida de futebol. Então, se não gosta, é só não dar audiência para isso. Vá ver o que você curte. Seja numa revista, num jornal, na TV, no Facebook ou no YouTube. Essa é a graça da coisa (e da internet).
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