Um relatório da McKinsey divulgado durante a primeira conferência Brazil at Silicon Valley, em Palo Alto (Califórnia), desenha um cenário até um pouco promissor para a inovação no Brasil. Porém, hoje, a situação não está boa. Em nada.
O estudo começa exibindo indicadores econômicos recentes que são positivos. Como pela alta da Bovespa e pelo pico de confiança da indústria e do consumidor, somado à queda do chamado “risco-Brasil”. Também se acrescenta, todavia, a baixa produção por trabalhador no país, que representa a um quinto do índice estadunidense.
No ramo da inovação, especificamente, não se está bem. Nos Estados Unidos, as cinco maiores empresas são do ramo. Na China, as duas na liderança. Já no Brasil, não há nenhuma entre as dez no topo.
Bem, há até algumas boas notícias para os empreendedores do setor. O consumidor brasileiro é um dos mais ativos no mundo digital. Permanece acima de 9 horas diárias conectado (por um momento, tentemos esquecer dos efeitos negativos disso para a mente, e foquemos no motor econômico) e dois terços da população tem um smartphone em mãos. Gasta-se tempo conectado principalmente em redes sociais e sites de notícias – e, mesmo que ainda represente só 6% das vendas, o e-commerce tem crescido.
Ou seja, há um público interessado em consumir produtos derivados dessa indústria tecnológica, de inovação. Mas será que isso é especialmente bom para o Brasil? A resposta começa a se complicar.
O relatório exalta o consumidor brasileiro. Porém, do que a população tem sido cliente? Figuramos sempre entre o segundo e terceiro maior público de Netflix, Facebook, Twitter, WhatsApp, Uber, Google, YouTube. Somos clientes importantíssimos de Amazon, Apple, Samsung. Reparou no elemento em comum a quem de fato sai lucrando (muito!) com os brasileiros? São todos estrangeiros.
Comportamo-nos como um típico país de Terceiro Mundo – do tipo que libera suas fronteiros para os gringos ricos, sejam estadunidenses ou australianos; sem recebermos a recíproca. Temos uma massa enorme de consumidores. Todavia, que gastam dinheiro com empresas estrangeiras.
Por que isso? Falta talento e criatividade no Brasil? Nada disso.
É, convenhamos, a antiga síndrome de vira-lata (e me desculpem os verdadeiros vira-latas, os caninos, pelo uso do termo pejorativo) que nos afeta. Admiramos exageradamente o que vem de fora, muitas vezes sem o adequado olhar crítico, enquanto diminuímos (também exageradamente) o que surge no Brasil. Isso vale para filmes de Hollywood, para a música, para a literatura e para os produtos da inovação.
Ainda é irrisório o número dos chamados unicórnios nacionais – aquelas startups que ultrapassam rapidamente o 1 bilhão de dólares em valor de mercado. A McKinsey destaca oito, como a PagSeguro, a Stone, a 99 e a Gympass. Só que existe uma característica em comum preocupante entre elas: diferentemente de como foi com as estrelas da inovação estadunidense (Apple, Facebook, dentre quase todas as outras), elas não surgiram em garagens, frutos de ideias de jovens, com projetos completamente disruptivos (recorrendo a palavra apreciada pelo setor). Na maioria, são produtos de executivos e empreendedores que já estavam no topo da pirâmide.
Em outras palavras, diferentemente de como é em países que dão muito certo na área, a exemplo de EUA e China, a inovação no Brasil não promove a maior distribuição de oportunidades (e capital). Às vezes, muito pelo contrário.
Tudo o que foi narrado acima tem demasiadamente a ver com o Brasil ser um país péssimo para negócios – posição 109 no ranking global. Mas tem ainda mais a ver com um problema bem mais intrínseco.
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A extrema burocracia brasileira impede que novatos entrem facilmente no jogo do empreendedorismo e da inovação. Por quê? Para preservar o dinheiro e o poder nas mãos dos mesmos de sempre, os que estão lá na elite desde o Brasil Império – e usualmente, como destacou o governador de Minas Gerais Romeu Zema em apresentação logo após o lançamento do relatório McKinsey, no mesmo evento, estes protegidos por um sistema que não permite que a população (por meio do Estado) “economize 200 milhões de reais”, apenas para privilegiar quem já controla o sistema engessado brasileiro.
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