A nova missão (mais adulta) do Facebook
Com a reformulação de sua meta, a rede passou da fase "adolescente" pra "madura", lidando de frente com problemas como fake news e lives criminosos
Na semana passada, o Facebook anunciou sua nova missão: “Dar às pessoas o poder de criar comunidades e aproximar o mundo”. Antes, era assim: “dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado”. E daí? Em teoria, o que muda com isso é… nada. Na prática, porém, a reformulação evidencia um amadurecimento do Facebook como empresa, como marca, como rede social. Um que é bem-vindo. Pois com ele têm surgido também novas práticas com as quais o Facebook mostra ter empenho e vontade para começar a assumir várias responsabilidades das quais antes se esquivava. Exemplos: a disseminação de fake news e do discurso do ódio pela rede; a proliferação de lives de conteúdos, digamos, discutíveis (como as de usuários que utilizam a plataforma para exibir crimes, como assassinatos); o crescente radicalismo nas discussões online; a criação de bolhas nas quais as pessoas, por terem contato apenas com seus iguais, passam a achar que suas opiniões são amplamente aceitas, indiscutíveis, a Verdade (com “V”).
Como nós, grandes empresas amadurecem. Elas têm a infância, na qual muitas vezes são admiradas pelos seus talentos, mas pouco criticadas por deslizes. Afinal, estão começando. Depois, chega a puberdade, época em que seus acertos deixam de ser uma novidade para o mundo, logo param de ser tão exaltados. Junto a isso, aparecem as críticas, muitas vezes seguidas de reações, por parte da marca, que beiram a birra. Por fim, entra-se na fase adulta, na qual responsabilidades, das quais antes se desviava, são assumidas. Com isso, passa-se a batalhar para que o que fazem seja feito cada vez melhor, incorporando as críticas (e, principalmente, suas soluções) ao dia a dia.
Essa lógica é especialmente acertada para descrever aquelas que nascem como startups de tecnologia, do ramo da inovação. Ainda mais quando se trata do Vale do Silício. Lá as empresas na infância são logo exaltadas. Foi assim com a Apple dos anos de 1970, a maravilhosa empresa que levou um computador para a mesa de todos. Ou com o Google, na virada da década de 1990 para a de 2000, visto de pronto como o incrível site que surgiu para organizar todo o conhecimento do planeta. Depois com o Facebook, nos meados de 2000 (ele é de 2004), a rede social que deu certo em sua missão de reunir (ao menos quase) todos os seres humanos.
Entretanto, veio a puberdade para todos. Lá nos idos de 1980, a Apple passou por gravíssimos problemas de gerência, que culminaram na demissão de seu principal fundador (e rosto), o já quase mítico Steve Jobs (1955-2011). Ao longo da década seguinte, a marca da maçã mordida entrou numa ladeira e muitos apostaram que ela ia se esborrachar. Mas todos sabemos do final feliz da história: Jobs voltou, maduro e ainda mais genial, e conduziu a Apple numa fase adulta que nos trouxe o iPod, o iTunes, o iPhone, o iPad etc. Com o Google, seguiu-se o mesmo raciocínio. Depois da excitação inicial com o site, veio uma enxurrada de críticas. Quando ele deixou de ser uma novidade, o Google passou a ser visto como o exemplo máximo de invasão da privacidade individual, da disseminação de conteúdo criminoso pela internet, e por aí vai. Assim como fez a Apple (e Jobs) dos anos 80, o Google dessa fase adolescente protestou. Afirmava que nada tinha com isso, pois era apenas uma plataforma usada para as pessoas fazerem o que bem entendem. Não havia como ele se responsabilizar pelo estrago que seu site poderia causar, afinal. Só que logo a marca amadureceu o discurso. Em vez de se desviar da culpa, assumiu-a. Criou regras, diretrizes, para o uso de seus sites, como o Google.com e o YouTube. Passou a monitorar com afinco usuários (no coletivo, não no individual), contribuiu com investigações de autoridades. Em outras palavras, comprou não só suas conquistas, como suas responsabilidades. Evoluiu.
Agora chegou a hora do Facebook. O que quero dizer com isso?
Lembro bem que, há uns 10 anos, só jogavam flores para o Facebook. Afinal, trata-se realmente de uma ferramenta admirável, que remodelou a vida moderna ao aproximar indivíduos, permitir a formação de comunidades globais, dentre muitos, muitos, outros progressos. Por exemplo, a partir do advento do Facebook, redes sociais se tornaram determinantes para que pessoas possam se comunicar e se ajudar em situações de desastres naturais, ou sob políticas de censura de ditaduras, etc. Não gastarei saliva virtual elogiando ainda mais o Facebook. Por quê? Estamos tão acostumados com ele justamente por já termos entendido sua parte benéfica.
Contudo, especialmente nos dois últimos anos, o Facebook passou a fronteira para a puberdade. Quando o mundo começou a criticá-la, ao ver que não trazia só maravilhas, a empresa reagiu primeiro com uma postura de negação. Tem muita fake news no Facebook? Logo Mark Zuckerberg, fundador e CEO da companhia, alegou que se tratava de menos de 1% do conteúdo e, portanto, não seria tão relevante. Criminosos começaram a abusar de perfis para postar imagens de atos ilegais, como nos casos que mostramos nessa reportagem de VEJA? A resposta: o Facebook nada teria a ver com isso, pois seria apenas o meio utilizado, não se responsabilizaria com como o usam. Nesse quesito, muito parecido com a balela de dizer que a indústria bélica não pode se responsabilizar por como disparam armas, ou que a de cigarro nada tem a ver com as doenças que causa e etc.; assunto que até o filme pop da Mulher Maravilha (sem spoilers, quem viu saberá) resolveu bem.
Entre o ano passado e este, após muitas críticas, o Facebook mudou seu posicionamento. Listo alguns exemplos. Em maio, a companhia anunciou que contraria 3 000 profissionais para, com o auxílio também de ferramentas tecnológicas (leia algoritmos e afins), monitorar posts da rede, em busca de conteúdo ofensivo. No mesmo mês, a rede social prometeu o desenvolvimento de um software de inteligência artificial cujo objetivo seria detectar links mentirosos (as fake news) e evitar que estes se espalhem; antes disso, aliás, Zuckerberg já tinha começado a levar (bem) mais a sério essa questão, depois de equivocados comentários iniciais. Pouco antes, em fevereiro, a empresa lançou uma evolução de seu sistema Safety Check, pelo qual usuários podem pedir ou oferecer auxílio em situações de desastres naturais e/ou sociais.
E aí retornamos à discussão acerca da nova missão do Facebook. Antes, dizia-se: “dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado”. Ou seja, a responsabilidade estaria nas costas dessas “pessoas”, e só. Agora, ficou: “dar às pessoas o poder de criar comunidades e aproximar o mundo”. Ou seja, as “pessoas” se agrupam, se aproximam. Mas isso não quer necessariamente dizer que só eles têm responsabilidade pelo o que circula pelo Facebook. Não à toa, a rede social lançou, junto com sua nova meta, uma série de recursos que parecem fazer com que ela amadureça nesse sentido. Em resumo, essas novas ferramentas dão maior poder a usuários que atuam como administradores de grupos do Facebook, permitindo que eles rapidamente excluam membros, conteúdo ofensivo e por aí vai. De certa forma, isso estabelece um tipo de trato entre o Facebook e esses seus usuários, digamos, mais confiáveis.
Disse Zuckerberg, à rede americana CNN, sobre essa nova fase: “Muito do que podemos fazer é ajudar a criar um debate mais civilizado e produtivo em torno também de grandes questões.” Em outras palavras, o Facebook amadureceu e quer exibir que agora é um ser que arca com todas as suas responsabilidades. Um adulto.
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