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Lava Jato e o fracasso da diplomacia megalonanica

Livro-reportagem recém-lançado mostra como a diplomacia grandiloquente do lulopetismo afundou em corrupção e práticas truculentas

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 18h29 - Publicado em 21 mar 2017, 19h24
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  • Lula é obcecado por fazer do Brasil um protagonista no cenário mundial”, constatou uma reportagem de capa de VEJA em setembro de 2009, cuja manchete foi: “O imperialismo megalonanico”, numa referência à combinação das palavras “megalomaníaco” e “nanico”. O texto reconhecia que o Brasil estava bem equipado para desempenhar um papel mais ativo no mundo, mas que, da maneira como era feita no governo Lula, a diplomacia resvalava na mania de grandeza pura e simples, sem resultados que atendessem aos interesses nacionais.

    Isso se manifestava de duas formas. Primeiro, como demonstrava o episódio específico descrito na reportagem, em interferências desastrosas em assuntos internos de outros países, quase sempre pautadas pela suposta afinidade entre o governo petista e políticos ou governantes locais. Segundo, como ficou cada vez mais claro depois que Lula saiu do governo e passou a atuar como lobista internacional de empresas brasileiras, principalmente construtoras, no uso inconsequente de financiamentos públicos para a exportação de serviços. É sobre este segundo aspecto que se debruça o jornalista Fábio Zanini no recém-lançado livro-reportagem Euforia e Fracasso do Brasil Grande (Editora Contexto).

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    Trata-se de uma obra lançada em momento oportuno, pois muitas das empresas ali citadas estão envolvidas no escândalo da Lava Jato e aparecem em relatório da Justiça americana como sendo responsáveis por pagamento de propina em diversos países, principalmente da América Latina e da África. E foi nessas duas regiões que Zanini buscou a matéria-prima para o seu livro. Em vez de se restringir aos números grandiosos dos investimentos e das obras brasileiras nesses lugares, Zanini dá cores, corpo e rosto às aventuras megalonanicas. Para isso, visitou Angola, Namíbia, Peru, Moçambique e Guiné Equatorial.

    Conclusão: mesmo quando não há práticas ilícitas por parte dos brasileiros (ou não foram comprovadas), a combinação de promessas não cumpridas e falta de tato na realização dos projetos resulta em uma percepção negativa do Brasil por parte das populações locais. O “imperialismo” brasileiro, que sempre foi visto como do tipo soft power (“poder suave”, não-militar), descobre-se, pode ser tão truculento quanto qualquer outro.

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    “Entre 2003 e 2015, o BNDES liberou US$ 14 bilhões para 575 projetos no exterior, em 11 países de África e América Latina. A quase totalidade para grandes obras de infraestrutura urbana, transportes e energia”, escreve Zanini. Se esse foi o preço para um processo de internacionalização que denegriu em vez de alavancar a imagem do País, fica a pergunta: aos interesses de quem isso serviu? Aos interesses da economia e da diplomacia brasileira ou apenas a algumas poucas empresas e ao caixa de partidos e políticos, como tem sido demonstrado pelas investigações da Lava Jato?

    Um bom exemplo disso, no livro, é o da Namíbia, país ávido por arrancar empréstimos do BNDES. “O BNDES tem entre seus produtos mais atrativos o chamado financiamento pré-embarque, em que países estrangeiros recebem crédito a condições favoráveis, com taxas de juros mais baixas do que as praticadas no mercado internacional, para adquirir produtos brasileiros. É vantajoso para o país que compra, é vantajoso para a empresa brasileira que vende e é vantajoso em termos geopolíticos para o Brasil, que expande sua influência global. Mas nem sempre é vantajoso para quem tem de pagar essa conta, que é o Tesouro brasileiro”, define o autor. Essa explicação é interessante porque faz lembrar que o foco declarado da tal internacionalização da diplomacia petista eram os países do chamado eixo Sul-Sul, ou seja, do Terceiro Mundo, como se dizia no século XX.

    Ora, se no discurso isso parece muito bonito, na prática significa que os projetos se concentravam em países com instituições democráticas frágeis, para dizer o mínimo. Argumentava-se que nesses países havia mais possibilidades inexploradas — ou seja, mais a ser feito. Mas o fato é que também há nessas nações mais “possibilidades inexploradas” de se exercer o tráfico de influência, o superfaturamento e a troca de favores. Disse a Zanini a consultora da ONU britânica Christine Gordon, em 2015: “Em Angola até existem licitações, mas nem sempre para a Odebrecht.” Em dezembro de 2016, o Departamento de Justiça americano revelou que a empresa pagou 50 milhões de dólares em propinas no país.

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    O problema da interferência política para a criação de “campeões nacionais” da infraestrutura não se restringe à corrupção. Leva também ao desperdício, como mostra o exemplo da Estrada do Pacífico, que cruza o Peru, desde a fronteira com o Brasil, no Acre, até o Oceano. Feita por construtoras brasileiras, custou mais do que o dobro do que o previsto inicialmente, mas é subaproveitada. O governo Lula previa que por ali escoaria a soja do Centro-Oeste para ser exportada para a Ásia a partir de portos peruanos. Zanini percorreu toda a extensão da estrada de carro e não viu um único caminhão de soja.

    Não entrou no livro, talvez por se tratar de uma caixa-preta ainda maior do que outros projetos financiados pelo BNDES, o caso do Porto de Mariel, em Cuba. O porto foi construído pela Odebrecht com empréstimo de 682 milhões de dólares em condições para lá de camaradas, com juros subsidiados (apesar de Cuba não ser dos melhores pagadores do mundo), como mostrou reportagem de VEJA em junho de 2015. O equivalente a um quarto do valor do empréstimo foi consumido em subsídios do Tesouro brasileiro. E o investimento não se tornou o que defensores do projeto chamaram de “gol de placa” da política externa brasileira, pois o porto só faria sentido econômico com o fim do embargo americano a Cuba (algo cada vez mais distante de acontecer). Além do mais, o volume de bens e serviços exportados para Cuba não condizem com os valores destinados para a obra, como revelou VEJA em 2015.

    Em tempo: a Odebrecht está tentando recuperar as linhas de crédito para exportação junto ao BNDES, suspensos por causa da Operação Lava Jato. O valor a ser liberado pode chegar a 600 milhões de dólares.

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