“De 1 a 10, qual o seu nível de dor?” A pergunta é frequentemente dirigida, já no setor de triagem, aos pacientes que chegam a um hospital. Apesar da base numérica, tanto a indagação como qualquer resposta passam longe da objetividade. Até hoje não havia, de fato, um modo eficiente e rápido de medir a sensação incômoda, persistente, que toma conta muitas vezes de corpos enfermos. Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Michigan (EUA), recém-publicado na revista científica americana Journal of Medical Internet Research, acena com a possibilidade de resolver essa questão.
O trabalho, coordenado pelo odontologista fluminense Alexandre DaSilva, professor de sua área de atuação na prestigiosa instituição de Michigan, resultou na criação de um algoritmo capaz de interpretar funções cerebrais que indicam a localização e, sobretudo, a intensidade da dor. O diagnóstico é exibido ao médico nos visores de óculos de realidade virtual (RV) adaptados para a tarefa (confira no quadro acima).
A tecnologia foi testada em um experimento realizado com 21 voluntários. DaSilva e seus colegas aplicaram um jato de ar a 0 grau nos dentes dos indivíduos, o que provoca desconforto. Um capacete com 36 sensores mapeou como se traduziu essa sensação de acordo com o fluxo sanguíneo detectado no cérebro. Assim foi possível começar a desenhar um, digamos, mapa da dor, segundo a intensidade e a localização de cada área afetada da massa cefálica. “Elaboramos o que chamamos de ‘assinaturas’, que apontam o momento no qual o paciente passa do incômodo ao sofrimento”, afirma DaSilva. “A dor é um fruto cognitivo, antecipado pelo comportamento do cérebro”, acrescenta ele.
A região afetada do corpo chega aos óculos de RV como se fosse um holograma da anatomia humana. Quanto mais avermelhada a cor na figura, mais intenso é o incômodo. Quando há atenuação, em razão, por exemplo, da aplicação de analgésicos, a coloração torna-se azul.
A odontologia deverá ser a área médica que desfrutará mais rapidamente os resultados da novidade, tendo em vista a facilidade de rastrear dores em regiões mais próximas do cérebro. A expectativa dos cientistas, porém, é expandir a detecção para todo o organismo — e de forma cada vez mais precisa e minuciosa. “Até agora, se se quisesse aferir com detalhes a dor, era necessário apelar para procedimentos demorados, custosos e, ironicamente, muitas vezes doloridos — como a ressonância magnética”, diz DaSilva. Caso evolua, a tecnologia desenvolvida pela equipe do odontologista brasileiro poderá se espalhar por várias modalidades da medicina e, consequentemente, dos hospitais, respondendo em segundos, e com espetacular precisão, quanto sofre um enfermo.
Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643
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