Uma nova vacina em desenvolvimento por pesquisadores brasileiros seria capaz de bloquear os efeitos da cocaína de tal forma que diminuiria o interesse dos usuários pela droga. Criada por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o imunizante pode ser, em poucos anos, peça fundamental para o tratamento do vício. No Brasil, o consumo de cocaína é quatro vezes maior que a média mundial, de acordo com dados do escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
“Usada em conjunto com a psicoterapia e medicamentos, essa nova vacina seria uma estratégia importante. Acreditamos que, diminuindo a euforia da droga, os usuários não teriam motivos para o consumo”, explica o psiquiatra Frederico Garcia, professor da Faculdade de Medicina da UFMG e um dos responsáveis pelo desenvolvimento da vacina.
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Estratégia de ação
A vacina é baseada em uma nova molécula que estimula a produção de anticorpos contra a cocaína. Esses anticorpos impedem que a droga chegue ao cérebro e, assim, reduzem os efeitos da substância. Durante os testes em modelos animais, a vacina não causou efeitos colaterais – um resultado essencial na pesquisa de novos medicamentos.
Ainda em fase de pesquisas, o novo imunizante mostrou resultados promissores. Uma vacina semelhante, desenvolvida por pesquisadores americanos, utiliza moléculas feitas de proteína e é eficaz em 40% dos pacientes, além de provocar efeitos colaterais. A versão brasileira, que utiliza uma substância sem proteínas, promove maior resposta imunológica e não foram verificados efeitos colaterais. Além disso, a aplicação em três doses protege o organismo por um longo período enquanto a variante americana oferece imunização por três meses. Os resultados brasileiros, no entanto, precisam ser confirmados por testes clínicos, que devem ser feitos nos próximos meses.
“A maior vantagem desta vacina é que ela não provoca a chamada ‘reação cruzada’, ou seja, o corpo não a confunde com qualquer outra molécula do organismo, o que poderia desencadear graves respostas autoimunes, muito comuns em vacinas”, explica Garcia.
Vacina contra o vício
De acordo com especialistas, as drogas têm um mecanismo capaz de “sequestrar” o sistema de recompensa do cérebro – por isso são tão viciantes. Esse sistema é o que proporciona prazer e motiva os indivíduos a buscar recompensas como alimentos ou um bom parceiro. Reforços naturais (alimentos ou exercícios) ativam esse sistema, mas as drogas conseguem “acendê-lo” de maneira ainda mais forte, liberando a dopamina, conhecida como “substância do prazer”, em altas doses – por isso, costuma-se dizer que elas “sequestram” o sistema de recompensa. Dessa maneira, uma molécula (ou uma vacina) capaz de impedir os efeitos da cocaína eliminaria sua principal estratégia de ação e poderia se tornar um eficiente tratamento.
Em 2003, Garcia e o cientista Angelo de Fátima, do departamento de Química Orgânica da UFMG, tentavam replicar nos laboratórios brasileiros o experimento da vacina americana contra a cocaína, desenvolvida por George F. Koob no Instituto de Pesquisa Scripps. Os pesquisadores mineiros, contudo, conseguiram sintetizar uma nova molécula, que foi caracterizada em 2014 e deve ser patenteada em breve. Atualmente, oito cientistas da UFMG estão envolvidos nos estudos, bancada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), agências de fomento à pesquisa.
As próximas etapas da pesquisa serão a verificação da biossegurança da vacina em modelos animais e os testes clínicos em humanos, que levarão quase dois anos para serem concluídos. Se os resultados forem verificados, a eficácia do tratamento será testada em grupos maiores, fase que pode levar mais dois a três anos. Outra possibilidade para o uso da vacina que está em testes é a aplicação em grávidas que usam a droga, para a prevenção do vício nos bebês.
“Pessoas já em tratamento e altamente motivadas a deixar o vício podem ser muito beneficiadas por essa vacina. Sabemos que a dependência é um problema complexo, sem soluções simples. Contudo, esse potencial tratamento pode ser muito importante para o abandono definitivo da dependência”, explica Garcia.