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O tempo da ciência

Enquanto a medicina salva vidas a toque de caixa, cabe à pesquisa pavimentar o caminho para o conhecimento. E ele não vem às pressas

Por Hugo Aguilaniu*
Atualizado em 12 jun 2020, 19h33 - Publicado em 10 jun 2020, 22h03
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  • Um pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) trabalha para desenvolver um novo teste para detectar infecções por coronavírus em pessoas, no Rio de Janeiro (Lucas Landau/Reuters)

    Embora a pandemia da Covid-19 tenha reforçado a importância da ciência em geral, o papel da pesquisa e da medicina e suas respectivas capacidades de responder de forma adequada à crise muitas vezes se confundem.

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    Até o século XVIII, médicos e epidemiologistas aprendiam empiricamente, a partir da observação e do trato dos pacientes. Foi esse mesmo empirismo que levou ao estabelecimento da primeira quarentena oficial, cujos registros remontam à Peste Negra, no século XIV. A célebre máxima latina “Cito, longe fugeas, tarde redeas” – Rápido, fuja para longe e demore para voltar –, dos pais da medicina, Hipócrates e Galeno, sugere que a ideia não é nova.

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    Nestes primeiros meses de combate ao coronavírus, o que vem salvando vidas – muitas vidas – nos hospitais é o conhecimento acumulado quase intuitivamente pelos médicos

    Com o conhecimento que a pesquisa científica produziu desde então, o número de doenças passíveis de cura aumentou de maneira significativa. Exemplos clássicos de contribuições da ciência para o campo da saúde são a vacinação e os antibióticos, entre muitos outros. No entanto, a principal função da pesquisa é descobrir e compreender o mundo. Não cabe a ela a cura, prerrogativa da medicina.

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    Nestes primeiros meses de combate ao coronavírus, o que vem salvando vidas – muitas vidas – nos hospitais é o conhecimento acumulado quase intuitivamente pelos médicos. O saber que advém da prática é um tesouro difícil de ser aquilatado. A pacientes críticos, por exemplo, às vezes são administradas moléculas cuja ação a ciência ainda não comprovou, mas a testagem empírica e imediata dessa molécula pode acelerar significativamente o processo que levará a uma testagem rigorosa por meio de um ensaio clínico controlado. A prova científica só virá depois. A contribuição da pesquisa será sem dúvida enorme, porém a aplicabilidade de seus resultados ainda deverá trilhar uma longa estrada.

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    Ainda que suas funções primárias sejam de naturezas diferentes, ciência e medicina estão a serviço da resolução de urgências de formas distintas e complementares e devem correr em paralelo. A resposta mais imediata é a rápida aquisição de experiência clínica pelos profissionais da saúde. Ao mesmo tempo, a ciência está em ação para desenvolver remédios e vacinas, ainda que o processo seja mais lento. No fim, a pesquisa acabará por produzir soluções que serão aplicadas pelos médicos.

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    É importante ter uma compreensão clara de como a pesquisa e o fato científico são construídos, para que não esperemos deles algo que não podem produzir. Uma linha de pesquisa só se abre quando fazemos uma pergunta. Uma vez definida a questão, desencadeia-se um processo complexo, com múltiplas fases. Para responder à pergunta inicial, é preciso eleger a melhor metodologia, o que pode levar algum tempo, já que envolve a consideração de uma ampla gama de fatores e a definição das amostras a serem analisadas. Se o experimento é levado a cabo com o método equivocado ou amostras inválidas, não chega a lugar nenhum.

    O resultado da investigação também pode demorar. Além das análises estatísticas, os dados devem ser interpretados à luz de outros resultados semelhantes, etapa que em geral requer bom conhecimento da literatura científica. Pesquisadores precisam de tempo, é sempre bom ter isso em mente.

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    O recente estudo observacional sobre o impacto da hidroxicloroquina conduzido às pressas e agora retirado do prestigioso The Lancet, por exemplo, nos mostra dois aspectos fundamentais da pesquisa. O primeiro, absolutamente banal, é que cientistas são seres humanos: desde que a ciência existe, eles cometem erros e os retificam. O segundo é que o tempo do rigor e do cuidar é inabreviável. Não só a origem dos dados era duvidosa; bastava uma análise rápida da sua consistência para entender que as conclusões poderiam estar erradas. Tanto o rigor do método científico quanto o do processo de revisão pelos pares falharam, talvez pressionados pela urgência do momento.

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    Por todas essas razões, é raro a pesquisa responder a uma emergência. O que os cientistas estão colocando em prática hoje são medidas e ferramentas que eles já tinham, com base naquilo que já sabem fazer: aplicar métodos e técnicas desenvolvidos ao longo de décadas. Nada de novo está sendo criado no momento. Estamos construindo sobre o que já temos.

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    Poderíamos comparar a pesquisa ao cultivo de árvores frutíferas. Não se pode criar um pomar do zero em um curto período de tempo. Hoje, particularmente, a vantagem é daqueles que possuem os maiores pomares. Tudo o que precisam fazer é se dedicar à colheita. E quanto mais árvores houver, mais rica será a safra. Portanto, a maior aprendizagem desta crise é que o investimento em ciência deve ser permanente e robusto. Está claro que esse investimento é estratégico também em termos de saúde pública e segurança nacional.

     *HUGO AGUILANIU, biólogo geneticista francês, é diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, de fomento à pesquisa, no Rio de Janeiro

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