Sempre quis ser astronauta. Era criança, e meu coração batia diferente ao olhar o céu. Dava vontade de explorar aquela imensidão, um mundo ainda hoje tão desconhecido. Mas parecia tudo distante demais da minha realidade. Cresci num bairro simples e violento da cidade de Contagem, perto de Belo Horizonte, onde, além da barreira econômica, faltavam referências de boas cabeças científicas ao meu redor. Por incentivo de minha mãe e avó, encarei os estudos no colégio público como um caminho que pudesse me abrir portas. Estudava em tempo integral, conciliando as aulas regulares com um curso técnico de informática. E foi aí que despertei para as competições nacionais e internacionais de ciências, astrofísica e astronomia, de onde decolei para voos que transformariam minha vida.
Era 2021, eu tinha 18 anos, e a Nasa lançou uma de suas caçadas globais a um asteroide, quando gente do mundo inteiro se debruça sobre imagens que eles oferecem à procura daquele ponto. Só descansei quando o encontrei, e validaram o feito, colocando nele minhas iniciais, LPS 003. Mais tarde, fui a única estrangeira selecionada para um treinamento nas instalações da agência espacial e ali estabeleci laços que nunca se desfizeram. No início deste ano, veio um convite especial — me tornei a primeira brasileira a comandar uma equipe na Nasa voltada para a criação de tecnologias, como os dois modelos desenvolvidos para futuras expedições à Lua e a Marte dos quais me orgulho. Também me recrutaram como uma das principais cientistas da turma que anda às voltas com um equipamento que será enviado a Enceladus, a lua de Saturno onde há maior possibilidade de existência de vida — este um capítulo que me intriga e fascina. Sabemos ainda tão pouco.
Até agora, a maior parte do trabalho é on-line, à frente de vinte pesquisadores, mas logo farei simulações in loco, na Nasa, em ambiente de gravidade zero. Ganhei recentemente uma bolsa na Manhattan College, de Nova York, onde sigo com o curso de física que iniciei na Federal de Minas Gerais. Esse percurso cheio de vitórias, porém, sempre foi cercado de desconfiança. Ao me dar conta de que lapidar habilidades de pilotagem e mergulho poderia ser fundamental à observação do universo, me olharam meio torto no Brasil. Pesava o fato de ser jovem e também a falta do hábito de incentivar a ciência em todos os níveis no país. Cheguei a desacreditar de mim, mas felizmente esbarrei com exemplos inspiradores de cérebros que tanto admiro, e fui adiante. Quando ajudei a digitalizar para a Universidade Harvard dados da astronomia publicados por mulheres do século XX ou assisti a uma palestra da prêmio Nobel americana Andrea Ghez, uma emocionante aula sobre a matéria escura, me imaginei indo tão longe quanto elas.
Uma coisa vai levando a outra na ciência, e recebi convites para integrar fóruns das Nações Unidas nos quais procurei destacar o papel da tecnologia produzida por jovens cientistas em prol da preservação do planeta. Esses encontros permitiram reunir uma centena de voluntários na plataforma Elliptica, que idealizei para levar ensinamentos astrofísicos e valores sustentáveis a crianças e adolescentes. Gosto de transitar por diferentes áreas do conhecimento, mas continuo firme naquele desejo antigo, de um dia ser astronauta. Sei que para mulheres, num meio ainda dominado por homens, é mais difícil. Nunca me via representada nos filmes e livros de ciências da infância e mesmo agora, com tantos avanços, a participação feminina nos corredores da Nasa continua acanhada. Isso não me intimida. Trabalho todos os dias para ser a primeira brasileira a cruzar mais essa fronteira e fazer história no espaço. Esse é o meu lugar.
Laysa Peixoto em depoimento dado a Henrique Barbi
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872