A Lua, todo mundo sabe, está logo ali, ao alcance da civilização. De 1969 a 1972, a humanidade se lançou sobre ela — foi um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade. Depois, abandonou-a sem choro nem vela, por mais de cinquenta anos. Agora, ei-la de volta no horizonte. Os Estados Unidos prometem levar uma tripulação ao redor do satélite natural da Terra em setembro de 2025. Na semana passada, em movimento inédito, uma missão americana privada tentava pousar um robô em solo lunar pela primeira vez desde os anos 1970. Um problema de captação de energia solar, contudo, frustrou o sucesso da iniciativa, abortada. É evento decepcionante, mas longe de ser trágico. Parece não haver freio para o que vem por aí, na exploração espacial.
Viva a busca científica pelo luar, sim. Mas convém acompanhar outros movimentos, outras descobertas, ao infinito e além. Há especial atenção com Júpiter, planeta que leva o nome do deus do céu e dos trovões da mitologia romana. O gigante gasoso guarda em suas cercanias uma outra lua, a Europa, distante e desconhecida, mas mensageira de vastas esperanças. Com água em abundância, energia e outros ingredientes primordiais, pode ser o primeiro local em que encontraremos vida fora daqui.
Uma missão da Nasa, a Europa Clipper, deve ser lançada em outubro para uma viagem de seis anos e impressionantes 3 bilhões de quilômetros de travessia. O objetivo: investigar se há mesmo as condições necessárias para que o satélite possa abrigar vida — pelo menos como a conhecemos. O desafio é imenso, já que o satélite está em uma região perigosa, de excessiva radiação, instável. A solução? Ir aos pouquinhos, em vaivém. Ao longo de quatro anos, orbitando Júpiter, a sonda passará pelo satélite natural quase cinquenta vezes e, de uma proximidade de cerca de 25 quilômetros, captará uma imensidão de dados a respeito de Europa. Ao final da missão, ela deve encerrar sua vida útil com um impacto abrupto sobre o solo rochoso de Ganimedes, a maior lua joviana.
Mas por que tanto interesse? “A Europa pode ter o ambiente mais propício para vida no sistema solar, além do que existe na Terra, naturalmente”, disse a VEJA o astrobiólogo Fabio Rodrigues, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Há sobejas evidências para o namoro com as cercanias, digamos assim, de Júpiter. De fora, o que se vê é um enorme bloco de gelo, mas os pesquisadores acreditam que sob essa superfície pode haver um imenso oceano. Isso, por si só, justificaria a busca, mas os cientistas ainda querem ter certeza de que os elementos químicos necessários para a vida — carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre — podem estar contidos no núcleo rochoso, que é continuamente friccionado e aquecido pela gravidade descomunal do gigante gasoso. No entanto, a mera convicção não é suficiente. Por isso, caberá à nave de 5 bilhões de dólares checar de perto se está tudo lá mesmo. São nove instrumentos que investigarão desde o calor liberado pelo gigantesco mar salgado até as partículas de poeira que pairam na atmosfera.
A missão representa uma verdadeira mudança de paradigma para a agência espacial americana. “Até o fim do século passado, a Nasa ainda tinha receio das missões de busca de vida, que eram muito mais focadas em conhecer o planeta, a geologia, a atmosfera”, afirma Rodrigues. “Agora, procura-se desenvolver projetos para pesquisar algum tipo de vida, ainda que microscópica e residual.” Não há certezas, naturalmente, mas eis a graça da ciência, a incessante busca. E se tudo der errado, no infinito passeio por Júpiter, na permanente dança com sua lua, alguma coisa vamos aprender — nem que seja a revelação de estarmos sós, tristemente sós, um pontinho de nada no grande esquema universal.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875