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Muito além do horizonte

A fascinante chegada de uma sonda aos confins do sistema solar revela detalhes do mais longínquo e intacto objeto já alcançado pela humanidade

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 19h59 - Publicado em 4 jan 2019, 07h00
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Durante as primeiras horas de 1º de janeiro, a sonda americana New Horizons, que viaja pelo espaço desde 2006, encontrava-se em um ponto gelado e escuro do universo. A uma distância de 6,5 bilhões de quilômetros da Terra, a espaçonave aproximava-se do Cinturão de Kuiper, região que agrupa trilhões de objetos espaciais nas margens do sistema solar. Ali, cumpriu uma missão inédita: sobrevoou e fotografou Ultima Thule (nome que significa “além do mundo conhecido”, em latim), uma rocha coberta de gelo, com cerca de 32 quilômetros de comprimento e formato que lembra um boneco de neve. Descoberto em 2014 pelo telescópio espacial Hubble, o pedregulho é o corpo celeste mais distante já fotografado de perto e que guarda entre seus segredos dados sobre a origem dos planetas.

A tarefa em si não foi difícil de realizar. A mesma New Horizons já havia feito um voo anteriormente, só que o fotografado em questão era 100 vezes maior. Em 2015, ela enviou fotos de Plutão, com detalhes de suas crateras e lua que, até então, nunca haviam sido observados. Com velocidade de 52 000 quilômetros por hora, cerca de 170 vezes mais rápida que um carro de Fórmula 1, a sonda tirou tantas fotos do objeto quanto possível. Assim, acumulou dezenas delas em um total de 7 gigabytes de informações, com detalhes sobre a geologia e a temperatura da rocha, que serão recebidas pela Nasa ao longo dos próximos vinte meses. A demora para a chegada de todos os dados se deve, sobretudo, à distância, que só permite uma transmissão de 1 000 bits por segundo (bps). Isso considerando que a sonda, lançada há treze anos, não apresente nenhuma falha em seu sistema durante o processo.

Na imagem que foi enviada à agência espacial americana estão duas proeminências quase esféricas, uma com aproximadamente três vezes o volume da outra. Para as distinguirem, os cientistas nomearam a maior de Ultima e a menor de Thule. O formato peculiar revela uma junção que aconteceu provavelmente há 4,5 bilhões de anos, durante o resfriamento do sistema solar. É possível que seja uma formação similar a outras que se agruparam e que ajudaram na construção dos planetas. Assim, espera-se que, ao estudarem o objeto, os cientistas obtenham pistas sobre como a Terra e seus vizinhos nasceram. E, mesmo que a foto pareça um pouco desfocada se comparada com as de Plutão, isso não se deveu a nenhuma limitação do equipamento, e sim ao fato de que o Sol estava atrás da sonda no momento da captura da imagem, o que impediu que as sombras criassem contraste sobre as crateras.

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Apesar de fósseis espaciais estarem espalhados aos montes pelo cosmo, Ultima Thule não se tornou interesse dos astrônomos à toa. A região em que se encontra tem características únicas de observação. Nesses confins, a luz solar é tão fraca que as temperaturas marcam somente 40 graus acima do zero absoluto. Como resultado, as reações químicas praticamente não acontecem. Isso significa que o corpo celeste permanece em um congelamento tão profundo que provavelmente está preservado no estado em que se formou. Outro fator é que ele é pequeno o suficiente para não ter nenhuma atividade geológica que objetos maiores apresentam. E um terceiro aspecto importante é a natureza do seu ambiente. É tudo muito calmo no Cinturão de Kuiper. Ao contrário do que acontece no sistema solar interno, existem muito poucas colisões entre objetos, o que facilita levar uma sonda em segurança até lá.

Agora, os cientistas devem trabalhar nos dados do Ultima Thule e também avaliar a possibilidade de uma nova extensão da missão. A esperança é que o curso da espaçonave possa ser ligeiramente alterado para que ela visite pelo menos mais um objeto do Cinturão de Kuiper em algum momento na próxima década. A New Horizons deve ter reservas de energia para continuar ope­rando seus instrumentos até mea­dos de 2030. A longevidade da bateria de plutônio da nave pode até permitir que ela grave sua saída completa da interferência dos gases solares, região conhecida como heliosfera. Nessa área, existem somente duas espaçonaves: as Voyager 1 e 2, lançadas ainda nos anos 70 e que, mesmo sem a velocidade da New Horizons, jamais serão alcançadas por ela devido aos aumentos naturais de velocidade que sofreram durante a jornada.

Desde o início da exploração espacial, no fim da década de 50, a chegada de sondas que coletam informações detalhadas sobre corpos celestes tornou-se um marco na atualização das descobertas sobre o universo. Foi a sonda Luna 1, lançada pelos soviéticos em 1959, que nos mostrou as primeiras fotografias em close do satélite natural da Terra. Já na década de 60, a sonda Venera 4, enviada até Vênus, permitiu a primeira transmissão de dados entre planetas e trouxe detalhes surpreendentes das altas temperaturas, dos ventos que atingem mais de 300 quilômetros por hora e da ácida composição química da superfície. Com isso, excluiu-se uma hipótese, popular na época, de que o planeta pudesse abrigar vida, como Marte.

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Em outra descoberta, digamos assim, de pertinho, a comunidade científica conseguiu uma foto inédita do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, estudado pela sonda europeia Rosetta em 2014. Agora, sabe-se que um dia o cometa também foi um objeto do Cinturão de Kuiper, mas que acabou expulso de lá depois de colidir com outro objeto que o jogou para dentro do sistema solar, onde a radiação solar intensa lhe deu uma cauda de vapor de gelo e trans­for­mou sua superfície.

“Toda vez que vemos cometas, eles são formas muito danificadas de objetos do Cinturão de Kuiper”, explica Jeff Moore, líder da equipe de geologia e geofísica da New Horizons. A oportunidade de se aproximar de Ultima Thule é uma experiência comparável à de um arqueólogo que encontra um fóssil capaz de contar como uma espécie viveu e morreu. De fato, é isso que as imagens estão revelando sobre o sistema solar. Essas observações dão suporte à ideia de que Ultima Thule, Chury e vários outros núcleos cometários já explorados são igualmente o encontro de duas esferas, e não objetos que eram maciços e tiveram sua superfície erodida pela radiação solar. Essas e outras descobertas vêm facilitando o caminho para missões ainda mais distantes — até o dia em que os confins do sistema solar sejam somente mais uma extensão do lar humano.

 

Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616

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