Parecem criaturas e paisagens extraídas de um filme de fantasia, mas são cenas reconstruídas por um cientista em cima de um farto trabalho de campo e laboratório com fósseis de milhões de anos. Ao rebobinar o fio da história, o paleontólogo americano Steve Brusatte revela, em Ascensão e Reinado dos Mamíferos (Editora Record), a jornada de aventuras, turbulências e êxitos pela qual passou essa extensa e diversificada classe de animais. Numa narrativa didática e repleta de descrições vivas e minuciosas, o leitor acompanha a longa trajetória evolutiva que permitiu ao grupo que reúne desde elefantes e baleias até homens e morcegos crescer, aparecer e prosperar, deixando pelo caminho incontáveis espécies extintas. “Eu acredito que mamutes-lanudos e tigres-dentes-de-sabre são quase tão icônicos e famosos quanto qualquer dinossauro”, diz o autor, fazendo referência a dois célebres personagens que um dia habitaram o globo.
Professor da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e consultor da franquia Jurassic World, Brusatte tem o talento narrativo e a habilidade de descomplicar uma aula de anatomia, geologia e paleontologia. Roda um filme que começa há 325 milhões de anos com bichos escamosos que foram o último ancestral em comum entre mamíferos e répteis. A partir dos chamados protomamíferos — uma categoria que abrange criaturas espinhudas que mais evocam dinossauros —, o relógio da evolução acompanhou as mudanças no clima e na face da Terra, consolidando as características notáveis dos Mammalia, caso da cobertura de pelos e do aleitamento materno. Mas o grande marco viria a ocorrer 66 milhões de anos atrás, com a queda do asteroide que dizimou tiranossauros rex, triceratopes e outros sáurios. Pequenos mamíferos que lembravam roedores, mais hábeis a se esconder dos cataclismos e com menos massa para regular a temperatura corporal diante dos extremos, sobreviveram às feras assombrosas no novo e árduo mundo que se instaurou.
Sem dinossauros à vista, a grande família se expandiu em todos os sentidos — por terra e mar. Com o tempo, os animais ficaram maiores, no topo da cadeia alimentar, e dominaram os ecossistemas. Com o resfriamento do planeta, a Era do Gelo de milhares de anos atrás passaria a abrigar criaturas hoje lendárias, que, mais recentemente no cronômetro histórico, até chegaram a conviver com os antepassados do homem — para o azar delas. “Quando mamutes e dentes-de-sabre vagavam pela terra, também existiram outros mamíferos gigantes: rinocerontes peludos, castores do tamanho de humanos, veados com chifres maiores que uma mesa de jantar, tatus do tamanho de um Fusca”, descreve Brusatte, particularmente fascinado pelas preguiças de 3 metros que se arrastaram pelas Américas. A elevação da temperatura global por causas naturais e a atividade humana, porém, levariam muitos desses seres ao desaparecimento. O fato é que, durante uma importante janela de tempo, os mamíferos tiveram a oportunidade de se adaptar, se diversificar e se consolidar. Um símbolo majestoso disso ainda hoje nada pelo oceano — apesar da ameaça de extinção. É a baleia-azul, que, com suas 180 toneladas e 30 metros de comprimento, é o maior animal de todos os tempos, sobrepujando inclusive os dinossauros pescoçudos.
A epopeia traçada por Brusatte também oferece aprendizados para o presente e vislumbres para o futuro. “O aquecimento global não é algo novo. Já aconteceu outras vezes, só que por razões diferentes, como a erupção de vulcões, não pelos seres humanos emitindo gases do efeito estufa”, afirma o cientista. No livro, ele conta como esse fenômeno propiciou que muitos mamíferos encolhessem a fim de sobreviver às intempéries. “Animais menores dissipam o calor com mais facilidade.”
Com as calotas polares derretendo e a destruição dos hábitats, há boas chances de essas cenas se repetirem. “Como paleontólogo, me sinto mais confortável olhando para o passado do que prevendo o futuro”, diz. “Mas, ao rever a longa história da Terra, podemos ver como os animais responderam às mudanças climáticas e tentar compreender o que virá.” A VEJA Brusatte descreve o que imagina para dentro de 1 000 anos, mesclando toques de pessimismo e otimismo: “Vejo um mundo muito mais quente, que passou por turbulências, mas é resiliente. Algumas espécies morreram, como ursos-polares, elefantes e rinocerontes. E outras se adaptaram, tornando-se menores. Os humanos também estão lá, utilizando novas fontes de energia que não destroem o planeta”. Tomara.
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897