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Expedição procura destroços de veleiro que naufragou há mais de 100 anos

O Endurance de Ernest Shackleton levou 27 homens ao Polo Sul

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 mar 2022, 14h35 - Publicado em 12 fev 2022, 08h00
SEM SAÍDA - A embarcação presa no gelo: saga de sobrevivência e heroísmo inspira navegadores até hoje -
SEM SAÍDA - A embarcação presa no gelo: saga de sobrevivência e heroísmo inspira navegadores até hoje – (Frank Hurley/Universidade de Cambridge/Getty Images)

No dia 21 de novembro de 1915, o explorador britânico Ernest Shackleton deu o último adeus à embarcação que o havia levado até a Antártica, o Endurance, numa viagem que pretendia ser a primeira travessia daquela região inóspita. “Ela está indo, rapazes”, gritou da banquisa onde estava acampado com mais 27 homens. Todos correram para ver o veleiro de três mastros, já debilitado pela força esmagadora do gelo, ser abraçado pelas águas frias do Mar de Weddell. Mais de um século depois do naufrágio, os restos mortais do gigante de 44 metros ainda repousam no fundo do oceano polar, intocados. Talvez por pouco tempo. Em 5 de fevereiro, um quebra-gelo sul-africano, o Agulhas II, deixou a Cidade do Cabo para uma jornada extraordinária: encontrar os destroços e explorá-los com drones submarinos de última geração.

Batizada Endurance22, a expedição reúne 65 pessoas, entre arqueólogos marinhos, engenheiros, técnicos e especialistas em gelo, numa missão de 35 dias em busca do que sobrou do veleiro de Shackleton. Com 134 metros de comprimento e 22 metros de largura, o navio que os levará ao local do naufrágio quebra blocos de gelo de até 1 metro de espessura a uma velocidade de 5 nós, ou 9 quilômetros por hora. Mesmo com equipamentos novos e uma tripulação de 45 especialistas nesse tipo de travessia, não será tarefa fácil encontrar o que resta da antiga embarcação submersa a 3 000 metros de profundidade.

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Espalhadas por mais de 2,8 milhões de quilômetros quadrados, as águas do Mar de Weddell formam correntes fortes e imprevisíveis. Em 2019, o Agulhas II fez o mesmo trajeto em direção ao Polo Sul, também em busca do Endurance. Na ocasião, um drone submersível de tecnologia mais antiga não resistiu às condições locais e foi perdido antes que os técnicos pudessem obter os dados concretos sobre sua diligência no fundo do mar. Desta vez, os novos equipamentos estarão conectados à superfície por cabos de fibra óptica que poderão fornecer imagens e dados em tempo real. A equipe de engenheiros e técnicos fez testes em águas mais calmas para evitar problemas quando tiver de enfrentar as situações adversas do Mar de Weddell. “Embora não haja garantia de sucesso, agora estamos totalmente preparados e prontos para esta missão”, disse John Shears, explorador polar e líder da expedição, em uma declaração sobre a expedição.

Se for encontrado, o Endurance não poderá ser tocado, nem seus restos, resgatados. Sustentados por um financiamento de 10 milhões de dólares, concedido por um mecenas que prefere permanecer anônimo, os pesquisadores só poderão tirar fotos, gravar vídeos e fazer medições a laser do que resta do veleiro. Pelo Tratado da Antártica, acordo internacional de 1959 destinado a preservar o continente para fins pacíficos, nada pode ser tirado do fundo do mar nessa região. A expectativa é que, em razão da temperatura da água e da ausência de organismos que se alimentam de madeira, o que restou da embarcação estará razoavelmente preservado.

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RESISTÊNCIA - Shackleton (à esq.) e seus homens: acampamentos improvisados e dieta à base de pinguins e focas -
RESISTÊNCIA - Shackleton (à esq.) e seus homens: acampamentos improvisados e dieta à base de pinguins e focas – (PA Images/Getty Images)

Em 1915, o capitão e navegador do Endurance, Frank Worsley, registrou a localização do veleiro no momento do naufrágio. Segundo os registros, os pesquisadores acreditam que os destroços devem estar em uma zona de 11 a 22 quilômetros a oeste do Mar de Weddell. Como as condições climáticas podem mudar de uma hora para outra, um plano B envolve o envio de helicópteros com técnicos e equipamentos para os bancos de gelo sobre o local provável. Após abrir um buraco na banquisa, as sondas serão lançadas ao mar através dele.

Mesmo com todos os avanços tecnológicos e especialistas, não é sem riscos que a Endurance22 segue para as mesmas águas que desafiaram Shackleton e seus homens. Enquanto uma expedição demoraria dias para estabelecer um acampamento, os cientistas liderados por Lasse Rabenstein, um especialista em gelo marinho, terão uma janela de no máximo dois dias. “Faremos tudo o que pudermos para pesquisar e capturar imagens do Endurance e trazer a história épica de sua viagem final”, disse Mensun Bound, diretor da expedição.

DESTRUIÇÃO - O Endurance pouco antes de afundar: esmagado pela neve -
DESTRUIÇÃO - O Endurance pouco antes de afundar: esmagado pela neve – (Frank Hurley/University of Cambridge/Getty Images)

Ernest Shackleton não foi o primeiro a chegar ao Polo Sul. A façanha pertence a Roald Amundsen, explorador norueguês que atingiu a região em 14 de dezembro de 1911. Mas Shackleton, que havia tentado outras vezes alcançar a calota polar, estabeleceu outra meta: poderia fazer história atravessando o continente. Com esse plano em mente, ele deixou a Inglaterra em agosto de 1914, parando primeiro em Buenos Aires, na Argentina, e depois na Ilha Geórgia do Sul, um território britânico ultramarino, antes de partir para a Antártica, em 5 de dezembro.

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Depois de topar com gelo pela primeira vez, em 7 de dezembro, o Endurance ficou preso e foi derivando até o ponto mais ao sul no Mar de Weddell. Após afundar, em novembro de 1915, Shackleton e sua tripulação passaram meses vivendo de carne de pinguim, foca e peixes em pelo menos dois acampamentos improvisados. Em 9 de abril de 1916, os náufragos encheram os três botes que haviam sido preservados. Quase uma semana depois, desembarcaram na Ilha Elefante — foi a primeira vez que os homens chegaram a terra firme em 497 dias.

De lá, Shackleton e outros cinco tripulantes entraram em um dos botes e navegaram até a Geórgia do Sul. Ao chegar, atravessaram a ilha a pé até um entreposto. Depois, o explorador foi para Argentina, onde tentou, sem sucesso, um resgate. Já no Chile, conseguiu o rebocador Yelcho, que os levou de volta, em agosto de 1916, para resgatar os 22 homens restantes, 24 meses e 22 dias depois de iniciada a expedição. Ao voltar para a Inglaterra, o explorador foi recebido como herói e seu feito, ao liderar e salvar o grupo de homens que estava com ele, inspira aventureiros até hoje.

QUEBRA-GELO - Agulhas II: o navio levará cientistas e drones submersíveis -
QUEBRA-GELO – Agulhas II: o navio levará cientistas e drones submersíveis – (@polarforskning/Twitter)

Além de tentar encontrar o Endurance e resgatar o legado de Shackleton, a nova expedição tem como objetivo estudar os efeitos climáticos do aquecimento no Polo Sul. “Eu só navego porque li os relatos do Shackleton e eles me fizeram desejar isso”, diz Tamara Klink, que no fim do ano passado atravessou o Atlântico, vindo da França até o Brasil em uma viagem-so­lo no veleiro Sardinha. Filha de Amyr Klink, que explorou sozinho as águas do Círculo Polar Antártico, ela quer um dia repetir a façanha do pai. A experiência e os relatos do explorador criaram um imaginário para aquela região e atraíram a atenção para um ambiente inóspito e belo, mortal e cheio de vida que faz parte do equilíbrio da humanidade. Convém contar suas histórias e preservá-lo.

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776

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