Em 2003, o cineasta americano Morgan Spurlock se submeteu a uma experiência gastronômica incomum. Durante um mês, sua dieta se resumiu ao cardápio do McDonald’s. Ao fim da jornada, registrada no documentário Super Size Me (2004), Spurlock engordou mais de 10 quilos, teve um perigoso aumento na taxa de colesterol ruim, sofreu alterações de humor, disfunção sexual e acúmulo de gordura no fígado. O filme, indicado ao Oscar, teria pressionado a rede a reformular seus pratos. Arquétipo dos fast-foods, a cadeia representada pelo gigantesco M amarelo voltou a ser notícia nos Estados Unidos. Um estudo da Universidade George Washington mostrou que foram encontradas pequenas quantidades de produtos químicos nocivos em comidas dela e de outras cinco marcas populares.
Para fazer o levantamento, os cientistas investigaram 64 itens de fast-food das redes de hambúrgueres (McDonald’s e Burger King), de pizza (Domino’s e Pizza Hut) e de comida mexicana (Taco Bell e Chipotle). A equipe verificou, nos pratos, a existência de dez tipos de ftalatos, grupo de substâncias usadas para amolecer plásticos. Liderado por Lariah Edwards e Ami Zota, o time de pesquisadores descobriu que mais de 80% dos alimentos continham DnBP, associado à asma, e que 70% possuíam DEHP, ligado a problemas reprodutivos. Mais: 86% apresentavam sinais de DEHT, sintético desenvolvido para substituir os ftalatos e sobre o qual ainda não há estudos suficientes.
Os ftalatos são muito utilizados em equipamentos de processamento e embalagens. Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) não regulamenta as concentrações dessas substâncias nos alimentos. Os plastificantes usados nas embalagens podem migrar para os alimentos, principalmente quando esses apresentam gordura em sua composição. A alimentação, portanto, é a principal forma pela qual as pessoas são expostas a alguns desses químicos — risco presente no mundo inteiro. Estudos detectaram essas substâncias em alimentos de outros países também, como México, Canadá e China.
No Brasil, o uso de plastificantes é regulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Mas uma pesquisa conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou que foram encontrados valores aproximadamente 37 vezes maiores do que o permitido para o ftalato DEHA (cujo limite pela legislação brasileira é de 18 mg/kg) e 1 779 vezes a mais para o DEHP (1,5 mg/kg) em alimentos como pizza, carne, coxa de frango e queijos — todos embalados.
É o caso de prestar atenção, mas não de alarme. A moderação, como em tudo na vida, é bom remédio. O tempo entre a exposição aos ftalatos e o aparecimento de doenças ou efeitos sobre a saúde depende de vários fatores, além da quantidade do químico ao qual se está exposto: idade, estilo de vida e histórico familiar, entre outros. Para as crianças, a preocupação dos cientistas é que os produtos possam causar danos permanentes ao desenvolvimento do cérebro infantil se elas forem expostas durante períodos específicos e importantes de seu desenvolvimento. “Há evidências suficientes mostrando que os ftalatos estão associados a problemas de saúde”, disse a VEJA Lariah Edwards, pós-doutoranda na Universidade George Washington e líder da pesquisa. “Estamos continuamente expostos a esses químicos e devemos nos preocupar com o efeito deles em nosso organismo ao longo do tempo.”
Fica evidente que os alimentos ultraprocessados podem ser prejudiciais à saúde não só por conter quantidades muito grandes de açúcares, gorduras e sal, mas também pela presença de aditivos químicos potencialmente nocivos à saúde. “O estudo da universidade de Washington é muito importante, pois evidencia isso”, reforça Adriana Adell, nutricionista e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP). Como solução, ela destaca a orientação do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicação do Ministério da Saúde: é fundamental dar preferência aos alimentos in natura e minimamente processados. E também praticar a culinária em casa e optar por estabelecimentos que utilizem ingredientes frescos nos pratos. Não se trata de uma questão de estética, mas, sim, de saúde.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763