Um grupo brasileiro de pesquisadores conseguiu demonstrar a relação da latitude e de variáveis ecológicas no tamanho corporal das vespas. A conclusão é que, quanto mais próximo o hábitat do Equador, maiores são as espécies do gênero Polistes. Amplamente distribuído no mundo, o gênero serve como um modelo para analisar padrões mais gerais das vespas.
O resultado, publicado no Biological Journal of the Linnean Society, refuta para esses insetos uma teoria do século 19, segundo a qual os maiores animais estariam nas latitudes mais altas, ou regiões mais frias do planeta.
“Quando se observam coleções de vespas do mundo todo, percebe-se uma variação muito grande de tamanho corporal entre as espécies. Ao analisar muitos exemplares de um número representativo de espécies, concluímos que a latitude é determinante para essas diferenças”, conta André Rodrigues de Souza, primeiro autor do estudo e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) apoiado pela FAPESP.
Os pesquisadores concluíram que espécies de locais mais próximos do Equador, portanto, com maiores temperaturas e menor sazonalidade, tendem a ser maiores do que as que estão em altas latitudes, ou seja, mais próximas do hemisfério Norte e mais frias. É o oposto do que diz a chamada regra de Bergmann.
Postulada em 1847 por Carl Bergmann, a hipótese prevê organismos maiores em altas latitudes ou climas mais frios. Isso se daria porque indivíduos com maior tamanho corporal teriam uma menor razão entre a área de superfície e o volume do corpo, o que reduziria a perda de calor. Portanto, um corpo maior seria uma vantagem quando em baixas temperaturas.
O estudo publicado agora, porém, chegou a um resultado oposto, se adequando ao que já havia sido postulado como o oposto da regra de Bergmann. Formulado no século 20 por autores que analisaram animais ectotérmicos, que dependem da temperatura do ambiente para regularem o calor do próprio corpo, o raciocínio define que seriam os animais menores que estariam mais ao norte, em climas frios e com baixa sazonalidade.
“Uma explicação possível do oposto da regra de Bergmann é que, em altas latitudes, ambientes mais sazonais e com baixas temperaturas, o período para as vespas se alimentarem é muito curto, então elas se tornariam adultos menores. Quem se desenvolvesse mais rápido, portanto, teria vantagem. O custo seria o tamanho corporal menor”, explica Souza.
Enquanto nas regiões temperadas a estação favorável para as vespas dura de três a quatro meses, nas tropicais esse período tem cerca de nove meses. Por isso, na região haveria mais tempo para se alimentar e, portanto, crescer.
Coleções
Os pesquisadores tomaram as medidas de 429 exemplares de vespas em bom estado de conservação, pertencentes a 39 espécies que ocorrem do Canadá à Argentina, portanto, representando as Américas como um todo.
Os exemplares foram enviados ao Brasil de coleções presentes em diversos países ou analisados nas próprias instituições em que estão depositadas no exterior. Foram 37 espécies representadas por indivíduos fêmeas e 28 dessas espécies também representadas por indivíduos machos (em duas, só havia representantes machos, totalizando as 39 espécies investigadas). Os dados foram analisados por ferramentas estatísticas que mostraram uma relação direta entre latitude e tamanho do corpo.
A escolha das espécies americanas do gênero Polistes se deu por conta da bem resolvida filogenia do grupo nessa região. Isso significa que, no continente, todas descendem de um mesmo ancestral, algo que ainda não é sabido para outras regiões. Além disso, nas Américas se encontra a maior diversidade do gênero, com cerca de 90 espécies. Assim, foi possível ter uma amostra significativa para postular que o tamanho corporal é definido pelas condições ecológicas.
Em um trabalho anterior, Souza e outro grupo de colaboradores já haviam demonstrado que a regulação térmica não é o fator principal para determinar o tamanho, como a Regra de Bergmann postula, no caso das vespas.
Nesses animais, a latitude é determinante para definir a cor, já que espécies mais escuras estão presentes em áreas mais frias, provavelmente porque o tom ajuda a aquecer mais rápido o corpo do que cores mais claras.
“Trabalhos como esses ajudam a dar uma perspectiva evolutiva mais ampla das vespas, compreender melhor a diversidade das regiões tropicais e ressaltar a importância da conservação de seus hábitats”, diz Souza.
Além disso, completa, os estudos mostram a importância da preservação das coleções entomológicas, que podem fornecer material para o estudo contínuo das espécies e das relações entre elas.
O trabalho tem ainda entre os autores pesquisadores das universidades federais do Triângulo Mineiro (UFTM) e de Viçosa (UFV), além do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
O artigo Interspecific variation in paper wasp body size supports the converse Bergmann’s rule pode ser lido em: https://academic.oup.com/biolinnean/advance-article-abstract/doi/10.1093/biolinnean/blae074/7738264.