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Dragão de Sagan em Minas Gerais: o papel da ciência no avistamento de OVNIs de 2008

Pesquisador compara caso de cidade mineira com o exemplo proposto pelo renomado cientista em "O Mundo Assombrado Pelos Demônios"

Por João Lucas da Silva para Revista Questão de Ciência*
16 out 2024, 09h56

Por volta das 22h do dia 19 de novembro de 2008, a seleção brasileira, sob o comando de Dunga, travou um duelo com Portugal. Vencemos por 6 a 2, uma goleada. E tendo Cristiano Rolando e Kaká em campo, surpreende que o destaque do jogo tenha sido outro: Luis Fabiano marcou três gols naquela partida e ainda contribuiu com uma assistência para Maicon, que também marcou. Mas além dessa surpresa em campo, há quem diga que a cidade de Cláudio, Minas Gerais, passou por algo muito mais surpreendente, no mesmo dia.

Momentos antes do início da partida, o tenente da PM de Minas Gerais Eisenhower Guerck Austríaco recebeu um comunicado peculiar da senhora Renata Veloso. Ela teria visto um objeto descer muito rápido do céu, “como se fosse um relâmpago”, para usar palavras que constam do relato escrito do tenente. Segundo Eisenhower, devido à insistência de Veloso, ele caminhou até a janela e viu “um enorme objeto luminoso (hexágono) acompanhado de outros dois menores esféricos que giravam sob sua órbita”, relatou. Ainda de acordo com o tenente, quando o objeto se aproximou de uma igreja no bairro Bela Vista, as luzes dos postes foram se apagando, quadra a quadra.

O tenente então resolveu ligar para o 190 e, ao ser atendido, determinou que uma viatura composta pelos militares cabo Rabelo e soldados Francisco e Balbino fosse até Bela Vista para averiguar a situação. Esses militares também teriam visto o objeto. Ainda segundo o relatório, outra testemunha, a senhora Irma, residente do sexto andar de um prédio (presumivelmente) do bairro, “também viu e me narrou o que viu, sendo a mesma coisa” avistada pelo tenente, os demais militares citados e a senhora Veloso.

Até aqui, nada demais. Soa exatamente como mais um avistamento de um objeto voador não identificado, ou óvni. Inclusive, escrevendo sobre o que uma outra testemunha teria visto em Cláudio, o tenente faz uma descrição típica dos relatos de óvni (especialmente quando descritos por aqueles que acreditam que óvni e ET são a mesma coisa): “Os objetos voavam a uma velocidade incalculável e paravam como se não existisse os limites da física”. Porém, o que o tenente passa a relatar em seguida foge do comum e, caso sua interpretação dos eventos estivesse correta, teria implicações profundas sobre o que sabemos a respeito da vida no Universo.

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Segundo Eisenhower, militares e civis tiveram uma experiência única nos dias 19 e 20 de novembro, inclusive envolvendo uma perseguição a seres “humanoides” por uma viatura. O relatório do tenente está disponível online, então não farei uma discussão ponto a ponto. Abaixo, sumarizo os principais pontos.

A parte do encontro com os seres luminosos descrita no documento é um dos momentos (literalmente) mais incríveis do relato. No dia 20 de novembro de 2008, o tenente Eisenhower Guerck Austríaco, junto com os sargentos William Alcione da Silva e Waldir Araújo Silva, avistaram dois seres pequenos e luminosos enquanto estavam em uma caminhonete patrulhando a região do canavial, próximo ao povoado de São Bento.

Esses seres teriam aproximadamente 90 centímetros de altura e se moviam de maneira peculiar: “começaram a deslizar por entre as canas”, sem tocar o chão. Seguindo-os a uma velocidade de cerca de 20 km/h, os policiais notaram que eles “andavam” sem aparentemente usar os pés, com movimentos fluidos e sem ruídos perceptíveis.

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Os seres eram descritos como tendo braços, pernas e cabeças ovais, mas sem características faciais visíveis, como olhos ou nariz. Apesar de brilharem intensamente, não iluminavam o ambiente ao redor. Um detalhe impressionante foi a tentativa de fotografá-los, que se mostrou frustrada, pois eles “não apareciam na máquina fotográfica”, nem mesmo com o uso de zoom, somente vaga-lumes eram visíveis nas imagens.

Os policiais descreveram uma série de efeitos físicos e psicológicos durante o encontro, como dores de cabeça, cansaço extremo e dificuldade em pensar de maneira estratégica. Eles também relataram a sensação de que os seres pareciam “controlar o que pensávamos”, deixando-os confusos e incapazes de distinguir entre realidade e imaginação. Além disso, o lago que viram naquela noite, e que impediu a aproximação dos seres, simplesmente desapareceu no dia seguinte, deixando apenas uma pastagem e um barranco no local.

Muitos ufólogos ficaram empolgados com o caso Cláudio. Um deles acredita que esse caso talvez até seja maior que o de Varginha em 1996 (seja lá o que isso queira dizer, exatamente). Muito disso se deve à “prova” escrita pelo tenente Eisenhower e assinada por vários militares. O cabo Rabelo também fez fotos de alguns objetos avistados em Cláudio, mas o máximo que consigo ver, sinceramente, são luzes borradas. “Mas e os relatos e o relatório? Os militares e civis mentiram? Todos eles?”, imagino os believers interrogando.

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Não tenho que supor que estão mentindo, apenas que estão enganados. Você sabe, é como Carl Sagan dizia: alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Tudo bem, podemos discutir qual o significado preciso de “extraordinário”, mas penso que imagens borradas e um relato escrito não são suficientes para estabelecer a visita de alienígenas humanoides a Cláudio. Por sinal, um trecho do relato me fez lembrar Sagan mais uma vez.

De acordo com o relato, os seres, apesar de luminosos, não iluminavam e não apareciam nas máquinas fotográficas. Isso me soa muito como “O Dragão na Minha Garagem”, um dos capítulos do livro O Mundo Assombrado Pelos Demônios, uma das maiores obras da divulgação científica de todos os tempos.

O “dragão na garagem” é uma analogia criada por Carl Sagan para ilustrar o conceito de alegações não falseáveis. Ele propõe a seguinte situação: alguém afirma ter um dragão invisível e intangível vivendo na garagem. Porém, todas as tentativas de testar a existência do dragão — como usar farinha para revelar suas pegadas ou detectar seu calor com sensores — são frustradas por desculpas que tornam o dragão impossível de detectar ou refutar. A ideia central é mostrar como uma alegação que não pode ser testada ou provada falsa não tem valor científico. Para a ciência, é importante que hipóteses sejam verificáveis e passíveis de refutação. Alegações infalsificáveis, como o “dragão na garagem”, não são úteis para o progresso do conhecimento. Nas palavras de Sagan:

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“Ora, qual é a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe?”

Percebe como os seres luminosos que não iluminam, que perambulam pelo canavial de forma flutuante, parecem um dragão de garagem?

Mas vamos supor que os seres luminosos (que não iluminavam, contudo) não apareciam nas câmeras devido a qualquer outra razão. Talvez a quantidade de luz emitida fosse fraca demais para ser captada pela câmera (que, no entanto, registrou pequenos vagalumes). Mesmo com essa suposição, sou levado a crer que a evidência apresentada é insuficiente. Estão me pedindo para crer demais com base em muito pouco. O que leva ao fim dessa coluna com uma citação do episódio piloto de Arquivo X. Um diálogo entre os protagonistas, ambos agentes do FBI, inclui uma boa lição:

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Fox Mulder: Quando o senso comum e a ciência não nos oferecem respostas, não poderíamos finalmente recorrer ao fantástico como uma possibilidade?

Dana Scully: O que acho fantástico é qualquer noção de que existem respostas além do domínio da ciência. As respostas estão lá. Você só precisa saber onde procurar.

Embora a agente Scully talvez tenha sido um pouco radical demais, acho que é válido dizer que os eventos de interesse ufológicos estão dentro do alcance da ciência. E os padrões de evidência para decidir se algo é deste mundo ou não, portanto, deveriam ser rigorosos. Muito rigorosos. Ao contrário do slogan no pôster no escritório de Fox Mulder, eu não quero acreditar. Eu quero saber. Que Mulder me perdoe, mas estou com Scully. O único evento fantástico no qual ainda acredito é a conquista do hexa.

João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade

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