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Coronavírus: especialista em fake news diz como combater notícias falsas

Professor de Ciências Sociais da Universidade Dartmouth, nos Estados Unidos, John Carey acredita que devemos usar a empatia para convencer as pessoas

Por Alexandre Senechal Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 Maio 2020, 16h41 - Publicado em 21 Maio 2020, 14h08
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  • Quem nunca entrou em uma discussão com um familiar ou um amigo por causa de alguma notícia falsa? Na era da informação sem filtros e de fake news, a desinformação também tem colaborado com o agravamento da pandemia de coronavírus. As motivações de quem diminui os riscos da Covid-19 podem ser as mais variadas – econômica, política, ou pura ignorância – mas elas acabam prejudicando não só quem acredita em tudo aquilo que é compartilhado pelas redes sociais.

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    Buscando uma explicação para o fenômeno e eventuais saídas para a crise de desinformação, VEJA conversou com John Carey, professor da Universidade Dartmouth, nos Estados Unidos, especialista em política americana e ciências sociais. Carey participou de um estudo realizado no Brasil e publicado no início do ano para testar o nível de conhecimento da população sobre outras duas doenças que se espalharam pelo país: o zika e a febre amarela. Ele vê diferenças no comportamento dos brasileiros em relação a essas enfermidades e ao novo coronavírus. Confira a íntegra da entrevista abaixo:

     

    Qual comportamento devemos adotar em relação àqueles que minimizam os riscos da pandemia? É um grande desafio. Confrontar as crenças das pessoas não é construtivo. Existe uma série de estudos sobre isso. Alguns deles mostram que confrontar diretamente o que as pessoas acreditam faz com que, em algumas circunstâncias, elas fiquem mais apegadas a essas convicções. Eles têm confiança sobre os conhecimentos que adquiriram e você pode ter problemas ao combatê-los. Me parece ser apenas um problema de falta de conhecimento. O problema é que não sabemos ao certo como isso se dá. Penso que o que realmente importa é a fonte de informação. Temos que fazer com que elas sejam mais próximas da comunidade. As pessoas tendem a acreditar mais nas informações vindas do governo local do que da autoridade estadual. E mais no estadual do que no federal. E provavelmente mais no federal do que nas organizações mundiais, como a ONU. O ideal é que as autoridades perto de casa endossem as recomendações ideais. É a melhor estratégia.

    Por que é tão difícil para algumas pessoas seguirem as recomendações? No Brasil, há uma polarização como a que vivemos nos Estados Unidos, e eu suspeito que estejam, é difícil explicar. Aqui até mesmo o conhecimento científico passa por uma politização, contra e a favor do presidente Donald Trump. Penso que o mesmo ocorre em relação a Bolsonaro, mas não estou muito a par da situação. Esse é o desafio nos países onde isso ocorre. Também existe o problema que a literatura cientifica sobre o coronavírus é escassa, por ser uma doença nova. Você tenta combinar esse baixo nível de conhecimento com a falta de crença na doença dessas autoridades, sejam elas políticas ou até científicas. Em tempos como esses, quando o nível de insegurança é muito maior do que o usual, existe um desejo particular para que as narrativas que possam voltar a juntar todos sejam verdadeiras. As teorias conspiratórias podem fazer isso muitas vezes. Elas amarram as pontas soltas. Existe um verdadeiro apetite por esse tipo de explicação. Infelizmente, quando falamos com cientistas, eles mesmos classificam cada declaração que eles dão como incertas, porque eles baseiam seu conhecimento em pesquisas, mas isso não pôde ser feito com consistência ainda, porque é tudo muito novo. Então as teorias sobre soluções mirabolantes para o coronavírus satisfazem o que as pessoas estão procurando nesses países. Por isso é um desafio muito grande.

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    Com a sua pesquisa sobre o zika, o que você aprendeu sobre as particularidades brasileiras? No contexto da zika vimos que as percepções erradas foram amplamente divulgadas. Tivemos cerca de 50% da população que acreditava em alguma das informações erradas que investigamos sobre a doença. Em relação a esse vírus, nós só tivemos o exemplo brasileiro, então não podemos comparar com outros países do mundo. Nos últimos dois meses, estamos realizando estudos nos Estados Unidos sobre o nível de desinformação sobre o coronavírus e encontramos resultados muito similares aos que encontramos no Brasil. Agora precisamos identificar quais são os erros mais comuns e mais graves para poder combate-los com informações corretas. Como fizemos no caso do zika. Espero que tenhamos os mesmos bons resultados.

    Existem diferenças entre os efeitos da desinformação sobre o zika e o coronavírus no Brasil? Não podemos dizer isso ainda. Definitivamente a comparação não deve ser o Brasil com outros países, mas sim novas doenças contra doenças antigas. No estudo sobre o zika, a primeira coisa que fizemos foi identificar os danos causados de informações incorretas. Queríamos ter certeza de que não tínhamos cometido nenhum erro, então fizemos isso uma vez mais. Na segunda oportunidade, o país também passava por um surto de febre amarela. Nós replicamos o experimento do zika à segunda doença. Tivemos os mesmos resultados para o zika, mas não identificamos os efeitos negativos de desinformação sobre a febre amarela. A febre amarela é uma doença muito mais familiar na América Latina, enquanto o zika era novo. Penso que esses problemas são particularmente causados quando temos um conhecimento inicial muito raso sobre um assunto, porque as convicções das pessoas podem ser manipuladas muito mais facilmente. Isso é ruim quando falamos da Covid-19 porque ninguém nunca havia ouvido falar sobre ela antes. Isso sugere que será um longo caminho até conseguirmos estabelecer um conhecimento concreto sobre isso.

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    O professor John Carey, da Universidade de Dartmouth, nos EUA (Eli Burakian/Divulgação)

    Em entrevista ao jornal The New York Times, um de seus colegas em Dartmouth e coautor do estudo sobre o zika disse que as teorias conspiratórias são mais comuns de aparecer em tempos de desastres. Por que isso acontece? É uma relação de oferta e demanda. Analisando a demanda, estamos aumentando o apetite para a necessidade de fechamento cognitivo [termo psicológico que descreve o desejo para uma resposta firme a uma pergunta]. Quanto mais tentamos controlar o rumo das nossas vidas, mais procuramos por histórias que devem fazer sentido. Assim podemos atingir as nossas expectativas. Pelo lado da oferta, isso abre possibilidades para as teorias conspiratórias contraproducentes. Vemos pelo que acontece entre os Estados Unidos e a China. Os dois lados estão amplificando histórias sobre o outro, colocando o outro como vilão. Na noite passada, o secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo disse na televisão, sem nenhuma evidência, que o coronavírus havia sido produzido por um laboratório de doenças infecciosas de Wuhan. Toda a informação que temos até agora é de que isso é extremamente improvável. O governo chinês divulgou uma teoria de que os Estados Unidos enviaram o vírus para lá em dezembro. São só exemplos, mas há uma série de pessoas que tem a chance de se aproveitar de interesses políticos espalhando desinformação. Governos e entidades privadas. Se aproveitando dessa oferta e demanda.

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    Qual é a forma mais efetiva para combater a desinformação e as fake news? Se olharmos o trabalho do professor Nyhan, que é um dos que mais estudou sobre o assunto no mundo, através da checagem de fatos feita por empresas jornalísticas ele encontrou evidências sobre deturpações que políticos fazem ao divulgar as informações. Isso é encorajador e tem um impacto na discussão. Ainda buscamos maneiras de divulgar as informações precisas das autoridades de saúde sem que elas sejam distorcidas antes de chegar ao público em geral. Penso que algumas ações são benéficas. O Facebook começou a identificar informações falsas e deletar do site. Isso é necessário. Nos últimos anos, dado o aumento do acesso à tecnologia, nós passamos a ter mais meios para confrontar informações falsas de forma muito mais rápida. Isso é encorajador.

    E como convencer alguém que compartilha esse tipo de informação de qualidade duvidosa? O instinto nos diz para entrarmos em combate, mas as pessoas raramente mudam de ideia quando alguém diz que elas estão erradas. Eu sou casado e posso replicar esses resultados no dia-a-dia (risos). Isso deve ser feito com base na empatia. É um trabalho árduo, mas é a forma de abordagem que gera os melhores resultados. As pessoas ficam na defensiva muito facilmente. Não é a melhor postura quando você quer confrontar as ideias delas.

    É contraprodutivo perder tempo refutando argumentos que parecem absurdos? Nas relações dentro de casa, parece ser o caso. Já quando falamos de difundir informações corretas, o trabalho jornalístico é muito construtivo. Refutar as notícias erradas que o público pode ter acesso. Muitos políticos parecem não ter essa preocupação, então combate direto a essas informações pelos meios jornalísticos pode mais ser construtivo.

    Quais iniciativas, sem entrar em combate, podemos usar para conscientizar os familiares sobre as informações corretas? A estratégia deve ser disseminar, o quanto você conseguir, uma versão simplificada das informações corretas que você tiver. Isso seria muito mais efetivo do que tentar combater algumas percepções erradas que seus familiares podem ter.

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    Por que uma parte da população prefere acreditar em opiniões de pessoas, muitas que não são especialistas em saúde, em vez de fatos corroborados por instituições independentes e dignas de confiança? Isso é realmente um mistério (risos). As pessoas confiam nas informações que recebem de fontes que eles têm empatia. Para a maioria das pessoas, isso vale mais do que a qualidade da informação científica, por exemplo. Vou aceitar aquilo que aquela minha fonte mais confiável disser. Eu tenho mais dificuldades de aceitar informações vindas do presidente Donald Trump, mas outras pessoas podem pensar diferente.

    Trump sugeriu tratar o coronavírus com desinfetante e os Estados Unidos testemunharam casos de pessoas que seguiram tal recomendação… Isso foi um pouco estranho demais até mesmo para pessoas que o apoiam. Eles sabem que se fizessem isso, poderiam morrer. O espaço lógico entre acreditar no que ele disse e morrer foi um exemplo de que nem tudo o que uma autoridade política fala é levado como verdade absoluta. Vimos apoiadores deles, incluindo jornalistas, se levantarem e dizerem “não”.

    No Brasil tivemos casos de pessoas que morreram ao injetar a cloroquina, uma substância que o presidente Jair Bolsonaro insiste em recomendar para o tratamento da Covid-19… As pessoas vincularam essas mortes as frases do Bolsonaro? Elas deveriam fazer isso. Bolsonaro parece ter um talento semelhante ao do Trump de gerar uma porção de crises em torno dele. Eu pensava que isso era um talento que deveria desaparecer depois de algum tempo, mas estava errado sobre o Trump. Provavelmente isso deve se aplicar ao Bolsonaro também.

    O poder de persuasão dos governantes de hoje é maior do que o de líderes do passado, como Hitler, Napoleão ou Churchill? Podemos contar a história do poder dos líderes de cada geração a partir da tecnologia disponível em sua época. No século XVI, a imprensa escrita fazia esse papel e a mensagem de cada um deles foi difundida ao longo do tempo. Foi assim também com o rádio, a televisão. Agora a divulgação é feita pela internet e pelas redes sociais. Mas a história é muito similar. Cada um que viveu em cada época foi atingido pelos discursos e isso mostra a história de influência em cada geração.

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    No início da pandemia no Brasil, Bolsonaro deu declaração divergentes daquelas proferidas pelos últimos Ministros da Saúde. Qual impacto essas ações podem ocasionar nas pessoas, especialmente nas camadas mais vulneráveis? Isso desacelera o consenso sobre quais políticas devem ser seguidas. Certamente é o mesmo fenômeno que aconteceu nos Estados Unidos. Nós demoramos para desenvolver as estratégias de isolamento social. Eventualmente, Trump passou a seguir as recomendações das autoridades científicas. Talvez Bolsonaro faça isso também, eu não sei. Desperdiçamos seis semanas do nosso tempo que poderiam ter sido usadas para diminuir os impactos do vírus por causa da falta de consenso.

    Quando o Brasil passou a China em número de casos, Bolsonaro disse que não era coveiro e não podia fazer nada. Como frases assim podem repercutir? Ouvi o que ele disse sobre não poder fazer nada, mas haviam algumas ações a serem tomadas para conter a disseminação. Eu não deveria comentar o comportamento específico do Bolsonaro, porque não acompanho as notícias vindas do Brasil todos os dias. Sobre os políticos de forma geral, não quero dizer que eles sempre deveriam seguir tudo o que dizem as autoridades de saúde, porque elas não concordam por muitas vezes e comentem erros. Mesmo quando estão certos, políticos devem fazer uma série de considerações. As opiniões médicas devem valer, mas também há questões econômicas envolvidas. Não acredito que eles deveriam combater, entretanto, recomendações de saúde específicas para o combate do vírus. Talvez deveríamos ter um debate político para discutir o preço a se pagar pela economia. Nós fazemos isso o tempo tudo em políticas públicas. O papel dos políticos não é questionar as autoridades médicas em relação aos riscos e à mortalidade do vírus, mas eles poderiam discutir em que ponto deveríamos começar a considerar outros fatores, incluindo a economia, saúde mental, preocupações com segurança nacional. São debates que precisamos ter e os políticos deveriam mediar isso, porque podem reunir vários tipos de especialistas nas mais diferentes áreas, não apenas os médicos.

    Como sociedade, como devemos reagir quando nem mesmo o governo apoia as medidas de segurança sugeridas pela OMS? As pessoas ainda não deixaram suas casas e retomaram suas vidas normalmente até agora. O grande desafio será quando os governos colocarem os trabalhadores em uma posição em que se eles não voltarem para os seus trabalhos, poderão sofrer punições econômicas. E com certeza isso vai ser próximo grande desafio que vamos enfrentar. Esses casos vão entrar em confronto com o sistema que conhecemos hoje. As cortes pelo mundo poderão ser forçadas a emitir resoluções sobre se vão haver justificativas para manter as medidas de segurança ou não.

    Quando a vida voltar ao normal, como a pandemia pode afetar a imagem dos políticos? Sairão mais fortalecidos os que deram voz ou os que descreditaram a ciência? Infelizmente, acredito que não há simetria e os críticos vão levar vantagem. Sempre. Provavelmente porque quando falamos de medidas de saúde pública se elas funcionarem, é porque foram implantadas de maneira efetiva, e, por definição, não saberemos quanto estrago poderia ter sido feito. Os políticos que tiverem implementado de maneira efetiva provavelmente serão punidos nas próximas eleições, porque a impressão que vão passar é que exageraram nas medidas que deveriam ter sido aplicadas. Quando tudo isso acabar, provavelmente teremos políticos que criticaram as medidas de segurança com mais poder nas urnas. Isso é a natureza da política pública.

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