Com reinauguração do Palácio de Aigai, Grécia cobra holofote internacional
Exibir o espaço onde Alexandre, o Grande foi coroado é um modo de dizer ao mundo que o país de imenso passado ainda hoje é capaz de zelar pelo que é seu
Durma-se com um barulho desses. Éris, a deusa da discórdia da mitologia grega, tem feito a festa em torno dos mármores de Elgin, que ornamentavam o Partenon, em Atenas, e foram levados para a Inglaterra no século XIX pelo diplomata britânico Thomas Bruce (1766-1841), o Conde de Elgin — daí o nome da coleção. Em cizânia, os governos do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, e de seu homólogo helênico, Kyriákos Mitsotákis, andam às turras. Mitsotákis quer de volta o tesouro — as autoridades do British Museum, onde a relíquia repousa com pompa, dizem não. É nesse ambiente mercurial que se deve enxergar a reinauguração, há poucos dias, do Palácio de Aigai, no norte da Grécia (veja o mapa), que serviu de palco para a coroação de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia, em 336 a.C. As obras de recuperação, iniciadas em 2016, custaram o equivalente a 108 milhões de reais. Exibi-la, com toda a sua grandeza, é um modo de dizer ao mundo — e aos britânicos, em especial — que o país de imenso passado ainda hoje é capaz de zelar pelo que é seu.
O Palácio de Aigai é um manifesto de poder — ou, melhor dizendo, de nacionalismo à flor da pele. “A relevância de tais monumentos transcende as fronteiras locais”, disse o primeiro-ministro Kyriákos Mitsotákis, de centro-direita. “E nós, guardiões deste precioso patrimônio cultural, devemos protegê-lo e promovê-lo.” O conjunto — um quebra-cabeça de colunas dóricas, telhas e paredes, em elegante proporção áurea — logo foi apelidado de “o Partenon da Macedônia”.
Do ponto de vista de marketing, dadas as dimensões, é alcunha curiosa, funciona, chama atenção. Mas carrega uma imprecisão histórica proposital, a fim de fazer valer a vontade de reafirmar a força política de um país cuja influência foi esmaecida com o passar do tempo. O Partenon, do século V a.C., é um dos mais celebrados edifícios de louvação da democracia ateniense, mandado construir por Péricles. O Aigai, um pouco mais tardio, do século IV a.C., é representação de uma época personalista e centralizadora, simbolizada por Alexandre, o “filho de Zeus-Amon”. Em vida, e depois da morte, ele virou lenda — o chefe militar, montado no cavalo Bucéfalo, que enfrentava o velho inimigo dos gregos: a Pérsia.
Há ainda um outro aspecto geopolítico. A construção, ali de onde Alexandre reinou, está pousada na Macedônia. É um pedaço belicoso da Grécia, em permanente queda de braço com os vizinhos de cima. No início dos anos 1990, assim que a Iugoslávia desmoronou em uma coleção de repúblicas independentes, nasceu um novo país, a Macedônia. Os gregos, incomodados, pediram que o nome fosse alterado para Macedônia do Norte, dado já existir o naco homônimo um pouquinho mais ao sul. “Nesse contexto, a celebração em torno de Aigai tem um recado evidente, o de iluminar a Grécia no tabuleiro da diplomacia global”, diz o historiador e arqueólogo Gilberto da Silva Francisco, professor de história antiga da Universidade Federal de São Paulo e membro sênior da Escola Francesa de Atenas. “É muito mais do que uma joia arquitetônica.” As autoridades gregas sabem disso, e não por acaso brandem o Palácio de Aigai como troféu retórico. Ele é grandioso, um marco turístico raro, e bebe de Alexandre, um personagem e tanto — mas parece improvável servir como locomotiva de uma nova era de poder. Aí está com jeitão de conversa para inglês ver.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880