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Atlas detalhado do cérebro revela pistas sobre o que nos torna humanos

A iniciativa inédita traz detalhes sobre o funcionamento celular do cérebro e pode impactar tratamentos de doenças neurodegenerativas

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 12 out 2023, 15h00

O cérebro é o órgão mais fantástico do mundo, e também o mais misterioso. Suas curvas, rigorosamente protegidas por camadas que impedem a chegada da curiosidade científica o torna uma incógnita para muitos pesquisadores, um enorme quebra-cabeças, em que algumas das principais peças ainda são desconhecidas. Nem por isso, o desafio de desvendar suas minúcias foi abandonado. A boa notícia é que o esforço teve algum resultado. Uma iniciativa conjunta uniu centenas de cientistas na elaboração do primeiro Atlas Celular do Cérebro. A busca pelas menores estruturas – as células -, de nosso principal órgão, foi como jogar um zoom em regiões inéditas, mostrando detalhes nunca antes vistos. 

Saber quais células constituem um cérebro saudável, onde elas estão localizadas, como o cérebro se desenvolve desde a fase embrionária e quais as diferenças entre o cérebro humano e de outros primatas é fundamental para conhecermos mais sobre nós mesmos, sobre as doenças que nos acometem e sobre como chegamos ao nosso atual estado evolutivo. E foram essas, algumas das perguntas que os cientistas envolvidos na criação do atlas procuraram responder. Foi como fazer um censo populacional, só que do cérebro, procurando esclarecer onde cada célula “mora”, com o que “trabalham”, com quais outras células interagem, em que momento do desenvolvimento fetal se formaram e o que as diferencia dos nossos vizinhos, os outros primatas. 

Para isso, os pesquisadores mapearam a composição genética, celular e estrutural do cérebro humano e de outras espécies de macacos. O esforço foi financiado pela Iniciativa Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies (BRAIN), do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e faz parte de um projeto ainda maior, a criação do Atlas das Células Humanas

Os avanços na área do cérebro foram divulgados em um compêndio de 21 artigos publicados hoje, 12, na Science (12), Science Advances (8) e Science Translational Medicine (1). “Esses estudos trarão informações importantes para as neurociências sobre o funcionamento do cérebro e permitirão que as pesquisas de doenças e tratamentos de doenças do cérebro humano possam avançar nas próximas décadas”, comenta Igor de Lima e Teixeira, Médico Neurologista pela UNESP/Faculdade de Medicina de Botucatu e Mestre em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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Os neurocientistas analisaram mais de três milhões de núcleos celulares individuais utilizando a técnica de sequenciamento de RNA, que revela a identidade genética de cada célula. Ao todo, os investigadores estudaram células de mais de uma centena de regiões cerebrais e encontraram mais de 3.000 tipos diferentes de formações celulares, cerca de 80% das quais eram neurônios, sendo as restantes diferentes tipos de células gliais. A maior diversidade de células foi encontrada no tronco cerebral. Os pesquisadores acreditam que algumas delas podem controlar comportamentos inatos, como reflexos de dor, medo, agressão e sexualidade. 

Entre os inúmeros dados apresentados estavam descobertas inéditas, como a compreensão de que as células cerebrais variam entre os diferentes indivíduos, o que nos dá uma base para a tipagem celular na saúde e na doença. Um dos estudos demonstra que a base para doenças neuropsiquiátricas na idade adulta pode, muitas vezes, ser influenciada por alterações na composição celular do cérebro que surgem durante o desenvolvimento. 

A  equipe de pesquisa priorizou 152 genes de risco que desempenham um papel causal em uma série de distúrbios neuropsiquiátricos. Eles descobriram, por exemplo, que a síndrome de Tourette está associada aos oligodendrócitos, enquanto o transtorno obsessivo-compulsivo está associado aos astrócitos, tipos específicos de células cerebrais.Ambas as associações entre doenças e tipos de células eram anteriormente desconhecidas.

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 As descobertas contribuem para uma compreensão mais profunda das complexas relações entre diferentes tipos de células e distúrbios neuropsiquiátricos. “Este conjunto de estudos representa uma conquista marcante no esclarecimento da complexidade do cérebro humano e podem significar tratamentos mais efetivos para doenças neurodegenerativas, embora ainda não esteja claro quanto tempo essas inovações levarão para acontecer”, afirma Iscia Lopes Cendes, Professora de Genética Médica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)  e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), que lembra que pesquisas nesse modelo também vêm sendo realizadas no Brasil. 

 As descobertas prepararam o terreno para a Rede BRAIN Initiative Cell Atlas, um projeto que, juntamente com outras duas iniciativas de grande escala – a BRAIN Connects e o Armamentário para acesso preciso às células cerebrais – visa revolucionar a pesquisa em neurociência, iluminando princípios fundamentais que regem a base do circuito do comportamento e informam novas abordagens para o tratamento de distúrbios cerebrais humanos. O censo dos tipos de células cerebrais no cérebro humano e no cérebro de primatas não humanos, portanto, serviria como um passo inicial para o desenvolvimento de tratamentos cerebrais no futuro.

Embora os resultados divulgados no Atlas tragam muitas informações, eles ainda não encerram as muitas dúvidas que circundam as pesquisas voltadas para o funcionamento do cérebro. “Apesar da euforia com os novos resultados gerados com as tecnologias de sequenciamento de larga escala, eles não nos darão todas as respostas”, sintetiza Marcos R. Costa, doutor em Neurociências e professor do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Muita neurociência ainda será  necessária para podermos, quem sabe um dia, compreender ao nível celular e molecular como o cérebro codifica informações”.

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