Não há uma única explicação que comprove as dez pragas retratadas pela novela Os Dez Mandamentos, da Record. Contudo, uma série de pesquisas científicas sugere que elas não só atormentaram os egípcios da Antiguidade como podem oferecer pistas poderosas para preservar nosso bem mais precioso: a água
Por Gabriela de Castro Neri e Rita Loiola
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h01 - Publicado em 20 set 2015, 20h54
“Tu falarás tudo que eu te mandar; e Arão, teu irmão, falará ao Faraó que deixe ir os filhos de Israel da sua terra. Eu, porém, endurecerei o coração do Faraó, e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. O Faraó, portanto, não vos ouvirá.” Foi assim, de acordo com o relato bíblico do Êxodo, que começaram as dez pragas que atormentaram os egípcios na Antiguidade e estão sendo retratadas pela nova Os Dez Mandamentos, da Record. O faraó, Ramsés II (que de acordo com relatos históricos reinou entre 1270 a.C. e 1213 a.C.), não permitiu que os hebreus partissem de suas terras, o que levou a uma série de maldições. A primeira foi a transformação da água do rio Nilo em sangue, seguida por invasões de rãs, piolhos, moscas, morte do gado, chagas, chuva de pedras, nuvens de gafanhotos, trevas e morte dos primogênitos. Ao fim de tantas tragédias, Ramsés II, finalmente, concordou com a saída dos hebreus do Egito.
Não há uma única explicação científica que comprove as dez pragas relatadas na Bíblia. No entanto, diversas pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas por físicos, meteorologistas, biólogos e geólogos sugerem que a sequência trágica realmente existiu e teve graves consequências para a população da época. Há duas correntes principais seguidas pelos pesquisadores e ambas colocam as maldições como um encadeamento de eventos naturais – uma praga levando à seguinte.
Uma delas, defendida pelo físico britânico Colin Humphreys, professor da Universidade de Cambridge, no livro Milagres do Êxodo, de 2003, é de que uma grande seca foi a responsável pela alteração da água do rio Nilo e causou a série de eventos. A outra, desenvolvida por cientistas como o biólogo canadense Siro Trevisanato, que escreveu o livro As pragas do Egito, em 2005, explica que uma gigantesca erupção no vulcão Thera, que fazia parte das ilhas Santorini, atualmente parte da Grécia, causou as maldições em sequência há cerca de 3.500 anos.
O rio Nilo – Para as duas vertentes, alterações ambientais mexeram com um elemento fundamental para a sobrevivência do Egito: as águas do Nilo. Localizado no meio do deserto, o rio permite a sobrevivência humana tornando as terras em suas margens cultiváveis. Alterações nas águas provocariam grandes catástrofes para o país, como as pragas relatadas pela Bíblia.
“As maldições da Antiguidade foram causadas por muitos fatores. Entre eles estão o aquecimento climático e a seca, que levaram a uma queda nos níveis da água e aumento de sua temperatura. Além disso, houve um aumento de nutrientes no rio causados pelo aumento da população ao seu redor. Somados, esses elementos levaram a mudanças ambientais que foram vistas à época como pragas”, afirmou ao site de VEJA o biólogo Stephan Pflugmacher, professor da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha.
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O biólogo estuda a ação de algas e toxinas que podem causar profundas alterações em cursos aquáticos naturais. Para ele, a água “sanguínea” do Nilo pode ser explicada por uma proliferação de micro-organismos que tingiram o rio e tornaram a água imprópria para o uso.
“Os egípcios estavam absolutamente corretos ao perceber que a água do ‘Nilo vermelho’ não podia ser utilizada. Mas hoje sabemos que ela não era sangue, mas o efeito de algas microscópicas e cianobactérias. Esse micro-organismos se desenvolvem massivamente quando a água é rica em nutrientes e a deixa vermelha”, diz Pflugmacher.
A força da água – Para os pesquisadores, decifrar as pragas do Egito é importante porque elas oferecem pistas-chave para evitar desequilíbrios ambientais semelhantes no futuro. “As razões científicas têm muita relevância, pois fazem mitos e histórias como esses serem aceitos e, principalmente, explicam com clareza como aconteceram e como podem ser prevenidos”, afirmou ao site de VEJA o biólogo Werner Kloas, pesquisador do Instituto Leibniz, na Alemanha.
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Além disso, como sequência de maldições que atormentou a população da época foi desencadeada por alterações no bem mais precioso para a vida dos seres vivos – a água – entender como ela se originou traz conhecimentos essenciais para sua preservação. Segundo os pesquisadores, essas análises são úteis para o momento atual de crescente escassez do líquido.
“Por falta de explicações, vários eventos que ocorreram no passado se tornaram mitos. No entanto, a ciência de hoje tem muitas ferramentas e uma visão mais abrangente desses fenômenos, e pode decifrá-los com uma relativa tranquilidade. Explicações nas áreas da ecologia, toxicologia e biologia são fundamentais para evitar que novas ‘pragas’ nos atinjam. Como se sabe, o recurso mais importante para a vida é a água, sem o qual tudo no planeta morre. Precisamos saber tudo o que for possível, já que somos tão dependentes dela”, diz Pflugmacher.
Conheça as versão religiosa e a possível explicação científica para as maldições que atingiram o Egito na Antiguidade:
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