A Astronomia nos fala de solstícios e equinócios. Embora sejam conceitos bastante difundidos, é importante esclarecê-los aqui para que todos os nossos leitores estejam na mesma página:
A Terra é um planeta que gira ao redor do Sol. Essa órbita define um plano (que, em termos técnicos, é conhecido como “plano da eclíptica. Mas a Terra gira também em torno de si própria, e isso define um eixo (a linha imaginária que une os pólos norte e sul, passando pelo centro do nosso planeta). Dito isso, o eixo de rotação da Terra não é perpendicular ao plano da eclíptica. A Terra, em relação ao seu plano orbital, está inclinada! (É por isso que todos os globos terrestres que vemos à venda em papelarias, e à mostra em escolas, bibliotecas e museus, estão sempre inclinados em relação à base…)
Uma vez que a Terra está inclinada em relação à sua órbita, ao longo do ano seus diferentes hemisférios recebem quantidades distintas de luz solar. Há épocas em que o Hemisfério Sul será mais iluminado, e épocas em que isso ocorrerá para o Hemisfério Norte.
Inclinação e insolação
Essa diferença na quantidade de insolação que cada hemisfério recebe, ao longo do ano, pode ser facilmente percebida se acompanharmos a posição geográfica onde o Sol nasce, dia após dia. O leitor há de ter percebido, em seu cotidiano, que em diferentes épocas do ano o Sol ilumina este ou aquele cômodo de sua casa de forma diferente. Isso porque ao longo do ano ele “muda de posição” (assim entre aspas, pois quem está se movendo, sabemos, é a Terra).
Com isso, há dois dias no ano em que o Sol nasce exatamente no ponto cardeal leste. E apenas nesses dois dias, não custa frisar! Nascendo exatamente no leste e se pondo exatamente no oeste, o Sol ilumina os dois hemisférios por igual; o tempo que ele passa acima do horizonte é igual ao tempo em que ele passa abaixo do horizonte. A duração do dia (parte clara) é igual à duração da noite (parte escura). Noites iguais aos dias… “equi-noites”! Esses dois dias do ano são os equinócios.
No movimento pendular aparente do Sol, percebido no horizonte ao nascer, nosso astro-rei vai se afastar do ponto cardeal leste, rumo ao sul ou ao norte, dependendo da época do ano. Logo após o equinócio de setembro, o Sol começa a “se mover” na direção sul; após o equinócio de março, ele toma rumo do norte. O Sol se afasta, se afasta, se afasta do nascer ao leste e poente ao oeste até que chega ao máximo afastamento (em junho, máximo afastamento na direção norte; em dezembro, na direção sul).
Se é o máximo afastamento, isso significa que o Sol vai parar de se afastar e começar a voltar rumo ao ponto cardeal leste. O Sol pára. Sol estático… Esses dois dias onde o Sol fica estático são os solstícios.
Festivais religiosos
Maravilha! Sabemos bem o que são os solstícios e os equinócios. E, claro, sabemos da nossa experiência comum que eles estão espaçados em cerca de 90 dias entre si. Ou seja, podemos dizer que eles têm uma periodicidade trimestral. Esse tipo de recorrência, a trimestral, é comumente chamada de “quarterly” em inglês.
Mas por que estamos trazendo a língua inglesa para a conversa? Porque, segundo a tradição inglesa, há quatro dias no calendário, conhecidos justamente como “quarter days” (que vem de “quarterly”, trimestral), que inspiraram festivais religiosos.
Não por acaso, essas datas caem próximas dos solstícios e equinócios. Para não matar o leitor de curiosidade, são elas: Dia da Anunciação (25 de março, próximo do equinócio de março); Dia de São João (24 de junho, próximo ao solstício de junho); Dia de São Miguel Arcanjo (29 de setembro, próximo ao equinócio de setembro); e, finalmente, o Natal (25 de dezembro, próximo ao solstício de dezembro).
Mas um trimestre é muito tempo, e os ingleses acabaram criando os “cross-quarter days”, que numa tradução livre podem ser chamados de “dias de meio de trimestre”. Também são dias litúrgicos dentro da tradição cristã: Dia da Candelária (2 de fevereiro); Dia de São José (1º de maio); Dia da Libertação de São Pedro (1º de agosto); e, finalmente, o Dia de Todos os Santos (1º de novembro).
De “Todos os Santos” ao Halloween
Por questões de espaço, vamos nos concentrar no último desses “dias de meio de trimestre”, o Dia de Todos os Santos. Em inglês, “All Saints’ Day”, mas também conhecido como “All Hallows’ Day” (o verbo “hallow”, em inglês, quer dizer literalmente “santificar”; quando usado como substantivo, é sinônimo de “santo”). A tradição medieval estimulava uma vigília ao pôr do Sol do dia anterior ao Dia de Todos os Santos, ou seja, no dia 31 de outubro. A véspera do Dia de Todos os Santos, em inglês, é “All Hallows’ Eve”. E daí surgiu o termo Halloween!
As superstições cristãs defendiam que na véspera no Dia de Todos os Santos (ou seja, no Halloween) monstros e criaturas macabras se espalhavam pelo mundo, como que para aproveitar “o último dia” sem os santos “de plantão”. Com o tempo, essas crenças foram dando origem à tradição de se fantasiar de monstro e ganhar as ruas, no que hoje estamos mais acostumados a ver em filmes da cultura americana.
O Halloween, hoje, é uma grande brincadeira para crianças de todas as idades. Mas já foi algo temido por cristãos, a véspera de Todos os Santos. E o Dia de Todos os Santos é observado em 1º de novembro por se tratar de um “dia de meio de trimestre” (cross-quarter day). E que trimestre é esse? O trimestre definido pelo equinócio de setembro e o solstício de dezembro. Astronomia, astronomia e astronomia…
Tenham todos um bom Halloween!
*Alexandre Cherman, Astrônomo, Instituto Fundação João Goulart