Física
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Laureados: John J. Hopfield, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, e Geoffrey E. Hinton, da Universidade de Toronto, no Canadá.
Por que ganharam: os cientistas usaram ferramentas da física e da biologia para construir estruturas como as redes neurais digitais, atalho para desenvolver o chamado aprendizado de máquina.
No mundo prático: quem nunca usou a internet para traduzir palavras de um idioma que não domina? Quem não entrou em um chat automatizado para “conversar” com um robô? Ou, para ir no cerne de uma atividade corriqueira deste século XXI: quem nunca foi ao motor de busca de um navegador pesquisar a resposta precisa?
A origem dessas atividades bebe do trabalho de Hopfield e Hinton deflagrado no início dos anos 2010, em uma linha de raciocínio que caminhava havia décadas. Sem nunca ter dividido o mesmo laboratório, a dupla andou junta no aprimoramento da inteligência artificial (IA), recurso que alimentou também o Nobel de Química (leia abaixo). Trata-se, tudo somado, de fazer com que os computadores pensem e quem sabe, um dia, alcancem a infinita capacidade humana, embora soe improvável. Houve saltos espetaculares com a simulação do funcionamento dos neurônios, as células que movimentam a grande força da humanidade, para o bem e para o mal: nossa incrível e exclusiva capacidade de apreender e compartilhar conhecimento.
É uma aventura em desenvolvimento, campo que pressupõe vigilância constante em razão das distorções e dos dilemas éticos. A íntima ligação da láurea de Estocolmo com a vida que já levamos, aqui e agora, foi traduzida por Hinton na entrevista dada a jornalistas depois do anúncio, ao comparar a IA com a Revolução Industrial dos anos 1800. “Mas, em vez de superar as pessoas com relação à força física, vai superar as pessoas com relação à força intelectual”, disse, para então tocar no nervo exposto. “Representará aumentos brutais em produtividade. Mas também temos de nos preocupar com uma série de possíveis consequências ruins, particularmente a ameaça de que essas coisas saiam do controle.”
(Alessandro Giannini)
Química
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Laureados: O americano David Baker, da Universidade de Washington, e o britânico Demis Hassabis e o americano John Jumper, do Google DeepMind.
Por que ganharam: Pelo desenvolvimento de um método capaz de prever, com extrema precisão, a estrutura das proteínas e pelo design computacional de partículas inéditas na natureza.
No mundo prático: Hassabis e Jumper recorreram à inteligência artificial para criar um programa que consegue predizer a forma originada a partir da sequência de pedacinhos que constituem as proteínas — moléculas que estão na base do funcionamento do corpo humano. Ao decifrar sua estrutura tridimensional e seu comportamento, é possível entender, em detalhes, como o organismo trabalha e elucidar as causas das doenças. Baker deu um passo além: concebeu uma ferramenta computacional para desenhar novas proteínas, inexistentes no mundo real, em laboratório, ponto de partida para o desenvolvimento de uma nova geração de medicamentos mais modernos.
(Luiz Paulo Souza)
Medicina
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Laureados: Os americanos Victor Ambros, da Universidade de Massachusetts, e Gary Ruvkun, de Harvard.
Por que ganharam: Pela descoberta dos micro-RNAs, pequenas estruturas que atuam na regulação dos genes.
No mundo prático: Dogmas não resistem ao avanço da ciência. Um deles, central na biologia, diz que o DNA dá origem a uma molécula de RNA e esta, por sua vez, resulta na confecção de uma proteína. Eis a lógica da vida. Mas o universo dos genes não é tão simples assim. Existem outras peças nesse quebra-cabeça que modulam como os códigos incrustados em nossas células serão ativados ou silenciados dentro do corpo. É o que fazem os micro-RNAs, partículas presentes tanto em vermes microscópicos como em seres humanos, e hoje notáveis por regular a expressão gênica. Essa descoberta seminal é obra de Ambros e Ruvkun, professores que não só identificaram os micro-RNAs como sua função e presença em inúmeras espécies. Seus extraordinários achados abrem caminho a formas inovadoras de diagnosticar e tratar problemas de saúde.
(Diogo Sponchiato)
Literatura
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Laureada: Han Kang, autora nascida na Coreia do Sul.
Por que ganhou: Pela sua prosa poética, que “confronta traumas históricos e expõe a fragilidade humana”, segundo a Academia sueca.
Por que lê-la: Escolhida por explorar de maneira sensível as ambiguidades e contradições humanas, Han Kang é autora de textos enxutos e impactantes. Conjugando realismo, fantasia e um fundo político latente, suas obras lançam um olhar afiado sobre questões contemporâneas que afligem os sul-coreanos, mas revelam-se universais: em A Vegetariana, uma jovem rejeita alimentos de origem animal a ponto de querer virar ela própria um vegetal, tecendo reflexões sobre o machismo e o desalento existencial. Nascida em Gwangju, em 1970, Kang recupera ainda a história de seu povo, aliando tormentos diversos à mentalidade oriental: o belíssimo Atos Humanos relembra um massacre em sua cidade natal, no qual mais de 2 000 pessoas foram mortas em um protesto contra o governo ditatorial do país, em 1980.
(Amanda Capuano)
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914