Um dos maiores partidos da Câmara, o União Brasil, com 59 deputados, despontou como um valioso aliado no início do atual governo. Em troca de apoio, a sigla foi agraciada com três ministérios, a mesma quantia entregue a legendas importantes como o PSB do vice Geraldo Alckmin, o MDB da ex-presidenciável Simone Tebet e o ascendente PSD de Gilberto Kassab. Na primeira votação importante, no entanto, o União, que nasceu da fusão do DEM e do ex-bolsonarista PSL, votou de forma unânime para derrubar os decretos de Lula que alteravam o marco do saneamento. O movimento pegou o governo de surpresa e acendeu o alerta ao mostrar o tamanho da fragilidade da base e o fiasco da articulação dos representantes do Planalto. Mais do que isso: deixou no ar muitas dúvidas sobre a fidelidade do novo parceiro e o futuro desse casamento.
Um dos principais pontos da discórdia matrimonial está exatamente nos ministérios que o União supostamente ocupa. A avaliação de membros da sigla é a de que os ocupantes das pastas foram escolhas pessoais de Lula e não contemplam a legenda. É o caso de Daniela Carneiro (Turismo), esposa do prefeito de Belford Roxo (RJ) Waguinho, um apoiador importante do petista na Baixada Fluminense na campanha. De malas prontas para o Republicanos, a ministra é tida como uma decisão unilateral do presidente para acomodar interesses junto ao casal. Situação semelhante acontece com Waldez Góes (Desenvolvimento Regional). Indicado pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), o ministro nem sequer formalizou sua migração para a sigla — está no PDT — e é visto como um estranho no ninho. O mais enturmado no partido é Juscelino Filho (Comunicações), que foi forçado a submergir após se envolver em suspeitas de ocultação de patrimônio e de uso do orçamento secreto para benefício próprio. Sua ausência no debate sobre a regulamentação das redes sociais, um dos assuntos quentes do Congresso, inclusive, é vista como um sinal de degola iminente.
Para além da Esplanada, os problemas se multiplicam e são centrados, principalmente, na ineficácia do governo para liberar emendas e distribuir cargos de segundo escalão. Episódios recentes que geraram mal-estar foram as nomeações para o Conselho de Itaipu e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Interlocutores queixam-se de que, mesmo após acertadas as indicações, o governo rearranja os acordos. “Querem apoio na hora de votar, mas há uma dificuldade constante pelo comportamento do governo. Aparece petista para tudo o que você imaginar”, diz um parlamentar. O desalinho programático também tem sido um entrave, como ocorreu no marco do saneamento. “A bancada tem majoritariamente uma formação reformista e liberal. O governo não tem capacidade de diálogo para ter essa compreensão, mas vai ter que ter”, afirma Danilo Forte (União-CE). “O governo precisa entender que a vitória do Lula não corresponde a uma vitória do ideário de esquerda. Ele se elegeu falando em governo de coalizão”, concorda Arthur Maia (União-BA).
Uma das figuras mais criticadas é o ministro Rui Costa (Casa Civil), que teria tentado tirar da sigla a superintendência da Codevasf. “Eles têm o governo da Bahia na mão, mas para eles não adianta compartilhar. Não entendem que queremos ajudar o governo. O que querem é aniquilar os adversários da província”, queixa-se um deputado. O próprio Lula irritou o partido ao ofender o ex-prefeito ACM Neto chamando-o de “grampinho” em ato na Bahia — referência a uma investigação sobre grampos telefônicos envolvendo Antonio Carlos Magalhães, avô do secretário-geral do União. ACM é um aliado de primeira hora de Arthur Maia, que deverá comandar a CPMI do 8 de Janeiro, cujo andamento interessa ao governo.
A fragilidade da aliança pode fazer o governo rever os comandos dos três ministérios que deu ao União Brasil. Entre os parlamentares da sigla, apesar do descontentamento quase geral, ninguém fala ainda em rompimento, embora sempre tratem o governo na terceira pessoa. Na quarta 17, o partido deu sinal de paz ao votar em peso pela aprovação da urgência do projeto do arcabouço fiscal — 44 votos a favor, onze contra e uma abstenção. O imbróglio com o União, porém, é só o exemplo mais gritante da base frágil que o governo montou no Congresso, algo reconhecido por Lula, que admitiu que poderá ter de negociar projeto a projeto com os parlamentares. Uma estratégia arriscada em um Congresso fragmentado, que saiu da eleição mais à direita e que não hesita em cobrar caro pelo apoio que empresta. O União já vai mostrando a sua fatura.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842