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Tática para ‘fritura’ de ministros expõe rede de intrigas no governo Lula

Disputas internas ganharam tração nas últimas semanas com a decisão do presidente de abrir espaços em sua administração para partidos do Centrão

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jul 2023, 10h06 - Publicado em 21 jul 2023, 06h00

O presidente Lula gosta de estimular a competição entre seus ministros. É uma prática antiga, iniciada já em seu primeiro mandato, em 2003. Além de forçar os auxiliares a perseguirem desempenhos cada vez melhores, sob pena de perderem prestígio junto ao chefe, essa estratégia serve para reafirmar a autoridade do petista: quando eventuais rusgas se tornam conflitos dentro do governo, Lula assume o papel de árbitro, põe ordem na casa e mostra — como se necessário fosse — quem é que manda. Os efeitos colaterais são conhecidos e, entre eles, destacam-se o fogo amigo, a rede de intrigas na Esplanada dos Ministérios e as conspirações destinadas a fragilizar e até mesmo derrubar assessores, dos mais poderosos àqueles que comandam pastas de menor expressão. Essas disputas internas, frequentes desde sempre, ganharam tração nas últimas semanas com a decisão do presidente de abrir espaços em sua administração para partidos do chamado Centrão, especialmente o PP e o Republicanos, que até o ano passado estavam aliados a Jair Bolsonaro. As negociações ainda estão em curso, mas levaram à frigideira uma nova leva de ministros, que temem perder seus respectivos postos em nome da governabilidade.

Desde o início de seu terceiro mandato, Lula sabia que, para organizar uma base parlamentar forte na Câmara, precisaria compor com legendas de centro, já que as siglas de esquerda são minoria na Casa. Ao montar sua equipe, o presidente deu três pastas para o MDB, três para o União Brasil e três para o PSD e, assim, acreditou que resolveria o problema. Não deu certo. Sob a influência do comandante da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o Centrão mostrou que projetos prioritários só avançam com os seus votos e, como nunca soube viver na oposição, pediu para participar da base de Lula e apresentou sua fatura: um pedaço do ministério. O sonho de consumo do grupo era a Pasta da Saúde, chefiada por Nísia Trindade. O pleito ficou sem resposta até que o presidente declarou publicamente que Nísia não era “trocável”. Ou seja, não seria substituída. Como alternativa, líderes do Centrão passaram a divulgar outras prioridades, igualmente ambiciosas, como o Ministério do Desenvolvimento Social, que toca o Bolsa Família e os principais programas sociais do governo. Na lista de reivindicações também constam ou constaram o Ministério do Esporte, a presidência da Caixa e o controle da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

RENDIÇÃO - Lula: para ampliar sua base de sustentação, o presidente aceitou entregar ao Centrão uma parcela do governo
RENDIÇÃO - Lula: para ampliar sua base de sustentação, o presidente aceitou entregar ao Centrão uma parcela do governo (Cadu Gomes/VPR/.)

Em troca de cargos desse porte, líderes do Centrão dizem que a base governista pode, no mínimo, dobrar de tamanho, passando de 140 para pelo menos 280 deputados. A transação garantiria maioria na Câmara a Lula, que já disse que PP e Republicanos serão contemplados, mas não especificou como. Daí o salseiro na frigideira. Alguém perderá o cargo. Até ministros da cota pessoal do presidente são alvo de especulações. O PP, por exemplo, apresentou o nome do líder do partido na Câmara, André Fufuca (MA), para comandar o Ministério do Desenvolvimento Social, hoje sob a batuta do petista Wellington Dias. Enquanto o PP insistia no negócio, difundiu-se a versão — de origem desconhecida — de que Lula avaliava negativamente a atuação de Dias na pasta. O ministro ficou sob fogo cruzado por pelo menos duas semanas, até ser tranquilizado. A primeira-dama Rosângela da Silva foi visitá-lo no ministério no último dia 7 e prestou solidariedade: “Aqui é onde o coração do governo realmente pulsa. O trabalho aqui está acontecendo e a realidade do Brasil está mudando a cada dia”. Uma semana depois, o próprio Lula reforçou o coro: “Esse ministério não sai. Saúde não sai. Não é o partido que quer vir que pede ministério. É o governo que oferece ministério”.

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Aparentemente blindado, Wellington Dias considera acertada e necessária a estratégia do presidente de fechar uma aliança com o Centrão. Ele afirma que a parceria é uma forma de conseguir estabilidade em suas múltiplas facetas — política, econômica e social. O ministro reagiu com bom humor à fritura. “Eu brinco muito que a política é o lugar que mais tem fuxico. E agora, com o fuxico eletrônico, anda numa velocidade ainda maior”, declarou a VEJA. Em seguida, subiu um pouco o tom: “Confesso que não é normal quem quer vir para o governo chegar dizendo: ‘Eu quero isso, eu quero aquilo’. O presidente foi transparente: é o Executivo que vai decidir o que pode oferecer”. O problema é que até o fechamento desta edição não havia definição. Responsável pela articulação política do governo, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, se reuniu com os deputados Fufuca e Silvio Costa Filho, do Republicanos, sugeridos por suas legendas para assumir ministérios. Os dois já têm a aprovação do Planalto, mas não sabem quais missões receberão. Seus partidos querem pastas com capilaridade e engrenagens azeitadas para a liberação de emendas parlamentares.

Assim como Fufuca foi apresentado como um bom nome para o Desenvolvimento Social, Costa Filho surgiu como opção para o Esporte, comandado por Ana Moser. Como Lula indicou que não vai tirá-la do cargo, as chamas passaram a arder para outros lados. Partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, o PSB ocupa três ministérios, embora tenha só quinze deputados, 44 a menos do que o União Brasil. Em meio à tensão na Esplanada, diferentes grupos de interesse passaram a propagandear que o PSB tem cadeira demais para voto de menos. Por isso, deveria perder espaço. Uma das possibilidades seria tirar o próprio Alckmin do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o que Lula não vê com bons olhos, ou então Márcio França de Portos e Aeroportos. Flávio Dino, o terceiro ministro, é considerado da cota pessoal do presidente, o que afastaria qualquer chance de troca. Políticos do PSB, no entanto, dizem não abrir mão de qualquer ministério e se veem alvo de fogo amigo por parte do partido do presidente. “É algo que vem 100% do PT. Eles, com dez ministérios, não querem perder espaço. Então, jogam para o nosso lado”, disse um líder socialista, que pediu para não ser identificado. O argumento é caro a outras siglas, como o PCdoB, que está à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, devidamente lembrado na lista de especulações.

BOTA NA PANELA - Alckmin: até o vice, que ocupa o Ministério do Desenvolvimento e não sairá, entrou na lista
BOTA NA PANELA - Alckmin: até o vice, que ocupa o Ministério do Desenvolvimento e não sairá, entrou na lista (Cadu Gomes/VPR/.)

As conversas de Lula com o Centrão se arrastam há pelo menos três meses. Com lugar privilegiado na mesa de negociação, Arthur Lira chegou a pedir a demissão do chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a sugerir também a exoneração de Alexandre Padilha, alegando que os dois eram responsáveis pela desarticulação da base governista na Câmara. O presidente manteve ambos no cargo, mas Rui Costa, chamado por deputados de troglodita e desleal, viu-se obrigado a procurar Lira e o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento, seu adversário político na Bahia, para conversar. Um armistício entre as partes foi acertado e aparentemente está de pé. Não foi um caso isolado. Longe dos holofotes, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, creditou a Flávio Dino, seu rival na política maranhense, a série de denúncias que saíram sobre ele na imprensa. Já Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, virou alvo de dossiês de setores do PT que, sob alegação de que ele acomoda bolsonaristas, querem mesmo é tomar posse da pasta.

Até agora, apesar de tanto fogo cruzado e da paralisia administrativa que isso acaba provocando, a engrenagem ministerial se moveu pouco. No último dia 14, o Diário Oficial da União finalmente formalizou a demissão de Daniela Carneiro do cargo de ministra do Turismo e a substituição dela pelo deputado Celso Sabino. A troca só foi consumada um mês após o anúncio de que seria realizada. Nesse período, o governo negociou contrapartidas para a agora ex-ministra, como a liberação de recursos para a sua base eleitoral. Oficialmente, Daniela deixou o ministério “a pedido”. Foi a pedido, sim, mas do presidente, que, pragmático, trocará peças para fortalecer sua base parlamentar. Afinal, é ele quem manda.

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851

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