Aos 17 anos eu comecei a dormir num sofá-cama na sala dos professores de uma escola pública na Zona Sul do Rio de Janeiro. Passava as noites cercado de livros. Só quem sabia eram meus pais, a diretora e alguns funcionários. Por volta das 22 horas, eu cruzava os portões, me misturava com os alunos que ainda estavam lá e ficava escondido até ter certeza de que todos haviam ido embora. Estudava até meia-noite; acordava às 5. Para que ninguém descobrisse, eu precisava estar de mochila nas costas quando se iniciava o movimento nos corredores — e eu evaporava. Minha saga começou pouco antes, quando ganhei, por mérito, uma bolsa de estudos em uma conceituada escola particular do Rio. Na época, morava em um bairro da periferia de São Gonçalo, a 44 quilômetros de distância, e perdia seis horas no trajeto de ida e volta. Como tinha pouco tempo para me dedicar aos estudos, fui reprovado logo de saída em seis disciplinas. Foi quando uma ex-professora teve a ideia de que eu pernoitasse naquele colégio público, onde a irmã dela lecionava. A princípio, achei loucura. Mas pensei: essa é a grande oportunidade da minha vida. Desse jeito, chegava rapidinho à escola que me deu a bolsa, tendo um ensino de qualidade, o que foi determinante para o que viria mais tarde.
Passados sete anos de esforço máximo, eu me tornei o primeiro brasileiro negro aprovado no MBA do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Ser incluído nessa seleta lista de estudantes é uma imensa conquista que pode servir de inspiração a outros jovens de origem humilde: sim, dá para chegar lá. Mas o caminho é duríssimo. No ano passado, fui reprovado e precisei me empenhar ainda mais para conseguir a vaga que tanto ambicionava, disputando com mais de 7 000 candidatos de todo canto. Mesmo selecionado, não fossem a bolsa de estudos da Fundação Estudar e o apoio de vários empresários, entre eles o Jorge Paulo Lemann, não teria condições de arcar com o custo elevado, estimado em 260 000 dólares.
Carrego bem forte em mim a perspectiva dos dois mundos que habitei. Na escola pública onde dormia, fiz um trato com a diretora para trabalhar como monitor quando um professor faltasse. Nesse período, convivia com pessoas de alto poder aquisitivo das 7 às 17 horas, em meu colégio particular, e com gente muito pobre na escola onde morava. Enquanto meus colegas de sala planejavam a próxima viagem para esquiar, meus alunos sonhavam em dar uma vida à família fora da favela. Vi gente talentosa em ambos os lugares, mas ficou claro para mim quão desiguais são as oportunidades. Como alguém que fica um ano sem aula de matemática pode competir com um aluno que frequenta uma ótima sala de aula? Isso tudo me deu força para seguir em frente. Estudei tanto que passei em administração de empresas em todas as faculdades que tentei.
Venho de uma família unida. Meu pai é padeiro, minha mãe, auxiliar de dentista. Imagine a alegria deles com o meu diploma de curso superior. Com 8 anos, ajudei meu pai na barraca que ele montou na praia, e ele me dava parte do lucro. Daí para empreender de verdade foi um pulo. Aos 12, meus pais me deixaram vender picolé após a aula, e eu me comprometi a ser um dos três melhores da classe. Nunca vou esquecer: ganhava dois salários mínimos e meio, mais do que a minha mãe. Pude montar, assim, uma pequena fábrica de doces em parceria com a minha tia. Chegamos a ter mais de vinte pontos de distribuição. Aí veio a bolsa do colégio particular e apostei tudo na minha educação. Há cinco anos fundei uma instituição para formar jovens líderes, o Instituto Four. O bom ensino tem um potencial revolucionário e nos permite alimentar qualquer sonho. O meu não é pequeno: quero ser um dia presidente do Brasil.
Wellington Vitorino em depoimento dado a Jana Sampaio
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738