Em uma das primeiras votações deste ano, o governo Lula sofreu um revés no Senado ao ver um projeto encampado pela oposição ser aprovado de maneira acachapante. Sob a batuta de figuras como Flávio Bolsonaro e Sergio Moro, a proposta que proíbe a chamada saidinha de presos em datas comemorativas — Natal e Dia das Mães, por exemplo — recebeu apenas dois votos contrários, deixou as lideranças governistas em saia justa e promoveu o sumiço de parlamentares que evitavam se posicionar sobre o tema. No plenário, uma tropa animada vociferava contra os benefícios para “bandidos” e “vagabundos”, enquanto parlamentares progressistas fugiam do fogo cruzado. O estranho silêncio da esquerda seria praticamente absoluto, não fosse a voz de quem, à época, ocupava justamente a posição de líder do PT, o senador Fabiano Contarato. Ao contrário do que muitos esperavam, porém, o parlamentar juntou-se aos oposicionistas, defendeu o arrocho aos detentos e propôs medidas de contenção ainda mais duras.
Delegado de polícia por quase três décadas e natural do Espírito Santo, um estado majoritariamente conservador, Contarato é um dos poucos parlamentares governistas que se engajam na agenda da segurança pública — uma pauta instrumentalizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores e que está no topo das preocupações do eleitorado nacional. No caso da restrição da saidinha, ele justifica que já há muitos benefícios para os presos, como a progressão de regime ao cumprimento de um sexto da pena e o abatimento de dias de detenção condicionado ao período de trabalho, o que, na prática, libera precocemente inclusive quem cometeu atrocidades como assassinatos. O senador também esteve à frente de projetos que concederam o porte de armas a diversas categorias, como aos agentes socioeducativos e servidores da Funai. Segundo ele, em todos esses casos, o armamento se justifica pelo risco inerente à atuação profissional.
Em outro assunto caro ao PT, o senador defende aumentar o período de internação dos adolescentes que cometeram crimes, passando o prazo máximo de três para cinco anos. A inspiração da proposta está em um caso que presenciou, enquanto delegado, de um jovem de 17 anos que havia matado um homem — “um pai de família” — a pauladas. A justiça puniu o criminoso com apenas um ano de internação. “Isso não é razoável. Mas são assuntos em que a própria esquerda faz questão de ficar inerte ou pecar por omissão. E a consequência é que a esquerda acaba sendo atropelada, e por projetos muito piores”, afirma o senador. Para Contarato, seus pares ideológicos precisam ajustar o discurso de defesa dos direitos humanos para não serem carimbados como “defensores de bandidos”. “Infelizmente, a esquerda pega só um fio dos direitos humanos, que é o da população carcerária. Isso é um grande erro. Nós temos de falar em direitos humanos para as famílias vítimas de abuso sexual, para as mulheres que foram vítimas de violência doméstica, para a família de policiais que foram mortos em conflitos. Esses são os direitos humanos em sua amplitude”, defende.
Embora abrace pautas conservadoras, o senador também acumula divergências com parlamentares de direita que compõem a famosa bancada da bala no Congresso. Ele vem cerrando fileiras contra o que chama de populismo com a agenda de segurança, como as propostas que aumentam penas para crimes como estelionato e furto de cabos de energia. Também é contrário à PEC das Drogas, que deve incendiar o debate nos próximos dias ao contrariar julgamento que está em andamento na Suprema Corte e criminalizar o porte de qualquer quantidade de entorpecentes. Há ainda uma terceira bandeira do parlamentar que não encontra eco no campo conservador. Gay e pai de dois filhos, ele é um dos principais defensores da igualdade de gênero, encampa uma série de projetos direcionados ao público LGBTQIA+ e cobra diariamente da cúpula do Senado o avanço de propostas contra a discriminação. “É um tabu votar temas como segurança, assim como é um tabu votar pautas relativas a orientação sexual. E apoiar as duas causas não é contraditório”, afirma. Em um Congresso cada vez mais polarizado, posturas coerentes e equilibradas, como a do senador, são cada vez mais raras.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888