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Selvageria do 8 de Janeiro ainda causa indignação, quase um ano depois

Autoridades ainda tentam elucidar o que teria se passado naquele domingo trágico, principalmente se havia alguma ação planejada para além do que aconteceu

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 dez 2023, 09h25 - Publicado em 22 dez 2023, 06h00
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  • Parecia um domingo como outro qualquer em Brasília. O recém-empossado presidente Lula estava em São Paulo, Jair Bolsonaro passava uma temporada fora do país, o Congresso entrou em recesso e os ministros do Supremo Tribunal Federal gozavam férias. A aparente calmaria, porém, contrariava alguns sinais captados pelos órgãos de inteligência do governo: havia ônibus aos montes chegando à capital, manifestantes que questionavam o resultado das eleições voltaram a se aglomerar no acampamento erguido havia meses diante do quartel-general do Exército e muitos deles falavam abertamente, em grupos de mensagens e em redes sociais, em tomada de poder e na invasão das sedes do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Por omissão, negligência ou incompetência, ninguém deu a devida importância aos indícios que poderiam ter evitado a barbárie, o ultraje, o desrespeito, a vergonha e a humilhação que se viu em 8 de janeiro de 2023 — o dia em que as instituições democráticas foram vilipendiadas por uma horda de desatinados. O dia da infâmia.

    Quase um ano depois, a memória da selvageria provocada pelos vândalos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes ainda causa espanto, tristeza e indignação. Espanto porque é difícil entender como cerca de 5 000 manifestantes conseguiram avançar com tamanha facilidade sobre policiais que estavam alertados sobre o protesto previsto para aquele dia e, principalmente, porque os objetivos eram discutidos abertamente pelos organizadores. Tristeza porque revela o nível de absurdo que a polarização política irracional pode atingir. Indignação porque foi no mínimo constrangedor testemunhar a democracia ser testada aos olhos de todo o planeta por lunáticos que não aceitavam o resultado de uma eleição legítima. No “protesto”, manifestantes quebraram as vidraças, os móveis e obras de arte do Planalto, atearam fogo no plenário do STF, vandalizaram as instalações do Congresso. Riram, se divertiram e comemoraram a destruição. Alguns não sabiam direito por que estavam lá. Outros chegaram dispostos e preparados para a baderna. Juntos, protagonizaram um dos mais degradantes capítulos da história recente.

    CASTIGO - Os invasores: penas aplicadas chegam a dezessete anos de prisão
    CASTIGO – Os invasores: penas aplicadas chegam a dezessete anos de prisão (Eraldo Peres/AP/Imageplus)

    Quase um ano depois, as autoridades ainda tentam elucidar o que exatamente teria se passado naquele domingo trágico, principalmente se havia alguma ação planejada para além do que aconteceu. A reação foi dura, rápida e eficiente. Lula decretou uma intervenção na segurança pública do Distrito Federal e o STF determinou o afastamento do governador Ibaneis Rocha, além da prisão da cúpula da Polícia Militar. No dia seguinte à quebradeira, quase 2 000 manifestantes estavam presos. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, que conduz no Supremo a investigação, também foi detido o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Trinta manifestantes já foram julgados por crimes como abolição violenta do estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada, e condenados a penas que chegam a dezessete anos de cadeia. A Polícia Federal ainda busca identificar os eventuais financiadores dos ataques. O ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus antigos auxiliares são investigados como suspeitos de terem incitado as manifestações. A baderna, suspeita-se, seria parte de um plano golpista para depor o presidente Lula, a partir da desestabilização do governo — plano que, em teoria, contaria com o apoio velado de setores das Forças Armadas, o que ainda carece de comprovação.

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    Os episódios do dia 8 também deixaram sequelas no governo e na caserna. Num dos momentos mais tensos que se seguiram aos ataques, o comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, entrou em rota de colisão com o governo ao se negar a autorizar a prisão dos manifestantes que estavam acampados no QG. A polícia havia recebido ordens para deter todos os suspeitos ainda na madrugada do dia 9. Depois de posicionar blindados na entrada da área militar, o general ponderou que a incursão realizada à noite poderia terminar em tragédia, já que o local era escuro e os ânimos, àquela altura, estavam acalorados — Lula, naquele momento, acabou concordando com a decisão. Mas o gesto, somado a outras decisões do comandante, foi considerado um ato de insubordinação. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marco Gonçalves Dias, também perdeu o posto. Imagens registradas pelas câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostraram G. Dias conduzindo de maneira cordial os manifestantes que invadiram o prédio. O procedimento deu margem a insinuações de que o general estaria sendo conivente com os vândalos e à teoria lunática levantada pelos oposicionistas de que o governo teria estimulado os ataques. Ex-chefe da equipe de segurança do presidente Lula, o militar acabou impelido a pedir demissão. Há várias lições deixadas pelo fatídico dia 8 de janeiro. Uma delas é que a estupidez não pode ser subestimada.

    Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873

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