Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Redes x democracia

O Vale do Silício prometeu, no passado, que sua revolução digital derrubaria ditadores. O que se vê, no entanto, não é isso

Por Niall Ferguson*
Atualizado em 4 jun 2024, 16h49 - Publicado em 12 out 2018, 07h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Esc é aquela tecla no canto superior esquerdo do teclado que apertamos desesperadamente quando o laptop trava. Confrontados com o horrível fato de que algumas de suas criações — Google, Facebook e Twitter — ajudaram a levar Donald Trump à Casa Branca, os gigantes da tecnologia do Vale do Silício estão apertando a tecla em pânico.

    Contratam “moderadores de conteúdo” aos milhares. Fecham contas falsas. “Arrumam” o feed de notícias. Esc, Esc, Esc. Mas a página continua travada. E corrigir o problema demandará mais do que a tecla Esc. Algo do tipo ctrl+alt+del.

    O mais recente episódio desse longo pesadelo do Vale do Silício foi o resultado das eleições presidenciais no Brasil, no domingo passado. As pessoas que trabalham no Facebook e no Twitter, em geral, são liberais, se não progressistas. Algumas até fantasiam sobre o socialismo enquanto dirigem seus carros Tesla. A imagem mental que fazem do Brasil é a do Rio de Janeiro na época do Carnaval. Para elas, Jair Bolsonaro é um monstro do politicamente incorreto. E, ainda assim, parece claro que Bolsonaro conquistou sua retumbante vitória na semana passada graças, principalmente, ao seu uso habilidoso das plataformas de mídias sociais nascidas e criadas no norte da Califórnia.

    Bolsonaro deveria estar em desvantagem nas eleições por causa da forma como o tempo de propaganda na TV é distribuído no horário eleitoral gratuito. Geraldo Alckmin, do PSDB, tinha direito a cinco minutos e 32 segundos para sua campanha, enquanto Bolsonaro conseguiu apenas oito segundos no ar. Não fez diferença. Na semana da votação, Bolsonaro estava agregando novos seguidores no Twitter a uma taxa de quase 90 000 por dia. Seu principal rival, Fernando Haddad, do PT, tinha cerca de 650 000 seguidores, e esse número crescia ao ritmo de apenas 3 000 por dia. Em 3 de outubro, Bolsonaro fez sete postagens no Facebook e conseguiu 282 000 compartilhamentos. Haddad gerenciou vinte posts, mas conseguiu somente 21 000 compartilhamentos.

    Populistas de direita e de esquerda entendem a força das mídias sociais. Os moderados, não

    Continua após a publicidade

    Não deveria ser assim. Por algum tempo, parecia que a internet estava do lado da democracia, ajudando multidões na Praça Tahrir, no Cairo, ou na Maidan, em Kiev, a derrubar tiranos terríveis. “A atual tecnologia de rede é realmente favorável aos cidadãos”, afirmaram Jared Cohen e Eric Schmidt, do Google, em seu livro de 2013, A Nova Era Digital. “Nunca antes tantas pessoas estiveram conectadas por meio de uma rede instantaneamente responsiva”, com implicações verdadeiramente “revolucionárias” para a política em todos os cantos.

    Que dias felizes! Lamentavelmente, nos últimos dois anos, ficou claro que a internet pode significar uma ameaça maior às democracias do que aos ditadores. Por um lado, o crescimento das plataformas de rede vem criando oportunidades para que regimes autoritários controlem sua população com eficiência. Por outro, as próprias redes oferecem maneiras pelas quais os mal-intencionados — e não apenas o governo russo ou chinês — podem minar a democracia ao disseminar notícias falsas e visões extremas.

    Na população urbana brasileira, 66% das pessoas recorrem às mídias sociais como fonte de notícias, entre elas 14% que afirmam usar o Twitter. O WhatsApp também é importante. Os 120 milhões de usuários ativos do Brasil representam 10% dos assinantes globais desse aplicativo.

    Continua após a publicidade

    Nas redes, não nos limitamos a apenas ler passivamente. Nós nos envolvemos. Curtimos. Retuitamos. Respondemos. Comentamos. E uma boa parte daquilo com que nos envolvemos on-line é notícia. Embora as plataformas de rede basicamente disseminem notícias de veículos profissionais, ao fazê-lo, algo estranho acontece. Quer em blogs ou no Twitter, as mídias sociais tendem a promover a polarização. Blogueiros liberais compartilham links com blogueiros liberais, raramente com blogueiros conservadores. Usuários liberais do Twitter retuítam uns aos outros, raramente seus pares conservadores. E tuítes sobre questões políticas — controle de armas, casamento entre pessoas do mesmo sexo, mudanças climáticas — têm 20% mais probabilidade de ser retuitados se tiverem palavras morais ou emocionais.

    Como demonstrado por Daniel Hopkins, Ye Liu, Daniel Preotiuc-Pietro e Lyle Ungar, depois da análise de quase 5 milhões de tuítes gerados por 4 000 contas do Twitter, os usuários “muito conservadores” e “muito liberais” são os mais propensos a tuitar termos associados a política. Um fenômeno parecido pode ser visto ao analisarmos os seguidores do Facebook dos legisladores dos EUA. Tanto na Câmara quanto no Senado, quanto mais ideologicamente radical você for — à esquerda ou à direita —, mais seguidores terá.

    A verdade é que, não importa quanto Facebook, Google e Twitter ajustem seus algoritmos, um novo tipo de política nasceu. Existem hoje no mundo duas categorias de político: o que sabe usar as mídias sociais como uma ferramenta de campanha e o que perde a eleição. Em todo o planeta, essa distinção é clara. Populistas de direita e de esquerda entendem a força das mídias sociais. Os moderados que ainda ocupam um lugar ao centro, com poucas exceções, continuam jogando de acordo com as regras.

    Continua após a publicidade

    As mídias sociais emergiram como o principal campo de batalha das eleições modernas, e, há apenas alguns anos, isso soaria como uma boa notícia. Afinal, o que poderia ser mais democrático do que dar aos políticos a possibilidade de comunicar suas mensagens diretamente aos eleitores de forma individual e de ouvi-los em tempo real? A única questão é se um discurso on-line é ou não verdadeiramente livre.

    E se a maior ameaça à democracia não for a censura ou a vigilância on-line, e sim a ausência quase total de regulamentação da política nas mídias sociais? O difícil é saber como deve ser essa regulamentação. Segundo Sam Lessin — outro ex-facebookiano —, a verdadeira transformação provocada na esfera pública é que um candidato “pela primeira vez consegue falar com cada eleitor na privacidade de sua casa e dizer exatamente o que ele ou ela quer ouvir — de uma maneira que não pode ser nem rastreada nem auditada”.

    “Esqueçam as fake news”, argumenta Lessin. A grande questão não é a polarização da discussão política na esfera pública. A questão é que essa discussão foi tão segmentada pelas redes — erroneamente chamadas de “redes sociais” — que não se dá mais apenas na esfera pública. A triste realidade é que a mais empolgante tentativa de unir nosso mundo está nos pondo em risco de não poder confiar naquilo que vemos ou ouvimos (e esse é o ponto que Lessin não percebeu). Esse é o novo cenário político em todas as democracias no planeta. No fim, trata-se de terreno fértil não só para as fake news, mas também para o populismo. Tecle Esc quanto quiser. Essa é a verdadeira — e inexorável — ameaça para todas as democracias e todos os candidatos centristas de hoje.

    Continua após a publicidade

    * Niall Ferguson é historiador e professor da Universidade Harvard

     

    Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.