Nas últimas semanas, o ex-policial militar Fabrício Queiroz parecia de bem com a vida. Em suas redes sociais, ele postou imagens degustando um vinho, jogando futebol com os amigos, participando de solenidades e até comemorando a permanência do Vasco na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Mas nem sempre é assim. Vez por outra, o humor dele oscila. No fim do ano passado, por exemplo, ele gravou um áudio reclamando de falta de dinheiro, reclamando do abandono dos amigos e insinuando que teria informações que poderiam comprometer Jair Bolsonaro e sua família. “Tô passando uma dificuldade muito grande e tô precisando de um dinheiro, tá? Natal chegando aqui… Eu vivo de fachada, todo mundo acha que eu tenho dinheiro, mas só Deus sabe o quanto eu e minha família estamos destruídos”, disse. E acrescentou: “Eu era um cara feliz, sempre tive minha correria e hoje sou um cara leproso. Fiquei hiperconhecido e não tenho apoio. Não adianta dar dinheiro, dinheiro não resolve, tem que dar é moral, uma posição para trabalhar, para encaixar meus filhos”.
Não foi a primeira vez que Queiroz faz alertas velados dirigidos ao clã Bolsonaro. É uma rotina que se repete desde que ele foi acusado de operar um esquema de rachadinhas no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro. Reza a lenda que Queiroz guarda segredos capazes de levar tormentas ao ex-presidente e seus filhos. Quando o ex-policial enfrenta algum problema, financeiro ou político, as memórias do passado afloram. Quando está tudo bem, o espírito é outro. E há períodos de meio-termo. Na terça-feira da semana passada, VEJA encontrou Queiroz num restaurante no Rio de Janeiro. O lugar estava cheio, mas, apesar da fama, ninguém aparentemente atentou para a presença do personagem famoso que frequentou o noticiário nos últimos quatro anos e disputou uma vaga de deputado estadual nas eleições do ano passado. O anonimato agora incomoda. Mais do que as finanças, ingressar na política é o objetivo número 1 daquele que já foi considerado um dos principais amigos do ex-presidente Bolsonaro.
O fracasso em 2022 — ele conquistou apenas 6 700 votos — serviu de experiência. A próxima missão será disputar uma cadeira de vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Já trocou o PTB pelo Democracia Cristã, calcula que terá de garimpar no mínimo 7 000 votos para se eleger e, para isso, vai precisar de ajuda. O gatilho de mágoas do passado dispara quando ele fala sobre esse assunto. O ex-policial lembra que o apoio da família Bolsonaro era decisivo para seus planos — apoio, segundo ele, que esperou até o fim da eleição e que nunca veio. “Eles são do tipo que valorizam aqueles que os traem”, ressalta. Queiroz não nomina quem são os traidores, mas deixa claro que um dos “eles” a que se refere é o ex-presidente Bolsonaro. “O Jair não votou em mim no ano passado. Devia ter outros candidatos melhores do que eu.” O tom é de resignação. “Ele mesmo (Bolsonaro) sempre me falava isso: ‘No dia em que eu deixar de ser eleito é porque apareceu outro melhor’. Então Lula é melhor do que ele, porque foi eleito”, alfineta.
Queiroz foi investigado pelo Ministério Público por supostamente recolher parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro entre 2007 e 2018. A Justiça acabou anulando a denúncia contra o ex-policial e o atual senador, acusados de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Com o fim das investigações, em 2022, ele foi até Brasília para conversar sobre sua intenção em disputar a vaga no Congresso. Na ocasião, encontrou-se com Flávio, o último contato direto que afirma ter tido com alguém da família Bolsonaro. O senador convenceu o ex-assessor de que seria mais fácil conquistar uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A contragosto, o ex-policial acatou a dica na expectativa de que o apoio do clã lhe assegurasse uma vitória. Mas o apoio não veio. Desde então, a derrota e as dívidas que ficaram pelo caminho têm gerado boatos sobre o seu humor. Ele mesmo, quando perguntado, alimenta as especulações. Primeiro, desconversa e garante que não tem nenhuma revelação importante a fazer sobre o passado. Depois, enigmático, lembra que enfrentou — e ainda enfrenta — dificuldades financeiras, diz que os amigos lhe deram as costas, reclama da ingratidão e, em tom profético, repete um velho ditado: “O castigo vem a cavalo” (leia a entrevista abaixo).
“O castigo vem a cavalo”
Qual a relação do senhor com a família Bolsonaro? Nunca mais falei com ninguém. A última vez foi com o Flávio, no ano passado, na época em que eu queria ser candidato a deputado. Depois disso, nunca mais trocamos ideias. Queria muito o apoio deles para poder ganhar a eleição, mas não forcei a barra.
Eles não apoiaram? Se o Jair acenasse para mim com alguma coisa, com certeza eu seria deputado estadual hoje. Agora, eles seguem a vida deles lá, estão numa fogueira danada. Pelo que conheço, acho que o Jair se arrepende de ter sido presidente. Só está tomando porrada, todos da família estão expostos. E o sistema voltou.
Por que vocês se afastaram? Na política é assim mesmo. Há um escândalo, afastam-se os assessores. O escândalo me envolveu, por isso me afastaram. Jair mesmo tinha dito que, enquanto eu não esclarecesse tudo, iria cortar relações. Então, eu não o procurei mais. Nem vice-versa. Muita gente me diz que eles foram ingratos comigo.
Dizem que o senhor guarda segredos que podem comprometer a família. Não tenho nada para falar deles. Não tem segredo nenhum comigo. E, se tivesse… A família dele não é melhor que a minha para ele sacrificar a minha família e a dele ficar bem. Porque a dele está bem. Na dele, todos são políticos, todos ganham bem. Vou segurar a viola deles para a minha se ferrar? Jamais.
Isso parece uma advertência de quem tem o que revelar. Ficam me cobrando isso. Eu sempre digo: vou inventar? Vão dizer que quero extorquir e chantagear. Não tenho nada a dizer.
O senhor parece guardar muita mágoa em relação ao ex-presidente. Bolsonaro foi presidente da República. Poderia arrumar algum lugar para eu trabalhar. Já hospedei em casa o Jair Renan, a filha da Michelle… Mesmo assim, nunca tive aceno deles. Até mesmo se eu fosse bandido, não deveriam me abandonar. Mas não tem mágoa com a família nesse sentido. Mas a gente vê o que acontece quando tem ingratidão. O castigo vem a cavalo.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872