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Quando aprenderemos?

Há semelhanças tristemente inaceitáveis de descaso, incompetência e irresponsabilidade entre a tragédia de Mariana e a de Brumadinho

Por Cristina Serra *
Atualizado em 4 jun 2024, 16h03 - Publicado em 1 fev 2019, 07h00
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  • Pouco mais de três anos separam as tragédias de Mariana e de Brumadinho, e as semelhanças entre elas são perturbadoras. O oceano de lama voraz, o desespero e a dor das vítimas, a poluição ambiental. Mais uma vez, é estarrecedor o descaso com a vida de trabalhadores e da população.

    Quando do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em novembro de 2015, não havia sirenes de alerta para emergências. O custo humano só não foi maior graças à coragem de uma heroína anônima, Paula Geralda Alves, terceirizada da Samarco, que estava a meio caminho entre a barragem e o povoado mais próximo, Bento Rodrigues. Com a lama em seu encalço, Paula correu em sua moto para a comunidade. Rodou pelas ruas avisando parentes e vizinhos até a gasolina acabar. Paula foi a sirene que a Samarco não tinha. Graças a ela, salvaram-se cerca de 400 pessoas em Bento Rodrigues.

    O desastre de Fundão deixou dezenove mortos (catorze trabalhadores e cinco pessoas do povoado), poluiu o Rio Doce e atingiu 38 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Bento Rodrigues, fundado por bandeirantes no fim do século XVII, ficava a 6 quilômetros de Fundão. No caso de Brumadinho, a proximidade era ainda maior. Havia uma pousada a cerca de 2 quilômetros do complexo industrial da Vale. E pior: o centro administrativo e o refeitório dos trabalhadores foram instalados logo abaixo da barragem (a jusante), exatamente no caminho que os rejeitos de lama percorreriam caso houvesse um acidente, como, de fato, houve.

    Por mais que barragens de mineração sejam operadas de acordo com todas as normas de segurança, essas estruturas são consideradas de risco pelo tipo de material que armazenam, pelo volume e até mesmo pelo método construtivo adotado, como é o caso do chamado alteamento a montante, mais barato e muito usado pelas mineradoras. Esse método é proibido no Chile, por exemplo. Aqui, é permitido e foi o escolhido para as barragens de Fundão e de Brumadinho.

    Se há risco, as empresas deveriam ser obcecadas por segurança e monitoramento, para minimizar os perigos para todos em volta. A investigação do caso Samarco mostrou que isso não aconteceu em Mariana e que a empresa tomou diversas decisões que implicaram aumentar o risco da operação. E, ainda assim, não houve a preocupação — e o bom-senso — de instalar sirenes de alerta. Na época, a lei não obrigava à adoção desse sistema. Depois do desastre, a sirene passou a ser obrigatória.

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    Vimos o mesmo comportamento negligente repetir-se em Brumadinho, com a injustificável situação de vulnerabilidade em que trabalhadores e vizinhos da empresa foram postos. Cadê os órgãos de fiscalização que não viram o que estava acontecendo? Há aqui outro paralelo entre Mariana e Brumadinho. Em ambos os casos, uma fiscalização estadual e federal ausente e leniente com as empresas.

    “A fiscalização é na base do faz de conta. As próprias empresas fornecem informações sobre suas barragens”

    Duas auditorias do Tribunal de Contas da União — uma anterior e a outra posterior ao desastre de Mariana — e dados oficiais do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), hoje a Agência Nacional de Mineração, de 2016, informavam o seguinte: dos 985 servidores do DNPM em todo o país, apenas cinco tinham formação em engenharia geotécnica, necessária para entender o funcionamento de barragens; o Brasil possuía, então, 663 barragens de mineração cadastradas no órgão. A seção mineira do DNPM tinha 79 servidores, embora devesse ter, no mínimo, cinco vezes mais. Os funcionários não dispunham de carros, aparelhos de GPS nem mapas atualizados dos locais a ser vistoriados.

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    A fiscalização funciona na base do faz de conta. Segundo a auditoria do TCU, são as próprias mineradoras que fornecem as informações sobre suas barragens e fundamentados nelas é que os órgãos fiscalizadores decidem quem terá prioridade na fiscalização in loco. Ora, na prática, se é a empresa que fornece os dados, é como se o dono da barragem determinasse se será ou não fiscalizado. Não surpreende que as barragens de Fundão e de Brumadinho fossem consideradas de “baixo” risco.

    Da mesma forma, não surpreende a reação a esses desastres por parte de governantes e legisladores quando se examinam suas conexões com o poder econômico. Logo após a tragédia de Mariana, a Assembleia Legislativa mineira aprovou um projeto — de iniciativa do governo estadual — que tornava a lei de licenciamento ambiental do estado mais “flexível” e restringia a participação do Ministério Público estadual no processo de concessão das autorizações para grandes empreendimentos, como as barragens. Os representantes do MP estadual haviam apontado inúmeras irregularidades no processo de licenciamento da barragem de Fundão, ocorrido entre 2007 e 2008.

    Dos 77 deputados estaduais de Minas Gerais eleitos em 2014, 59 — de todas as colorações ideológicas — haviam recebido doação de campanha de mineradoras, numa época em que a contribuição eleitoral de pessoas jurídicas era permitida. Os números são do Tribunal Superior Eleitoral e foram compilados pelo Observatório Ambiental. A mesma pesquisa revelou que as empresas do grupo Vale fizeram doações a 21 partidos em todo o Brasil, sendo os maiores beneficiados o PMDB, o PT e o PSDB. Entre os que reforçaram o caixa de campanha com recursos da mineradora, estão os dois maiores adversários daquela disputa presidencial: Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), além do governador de Minas Gerais eleito naquele ano, Fernando Pimentel (PT).

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    Esse é o cenário político-institucional que produziu duas das maiores tragédias mundiais da mineração, com um custo assombroso em vidas humanas, danos ambientais, perdas econômicas. Acrescente-se ainda a sensação de impunidade, que gera mais impunidade. O processo criminal sobre o caso de Mariana arrasta-se a passos lentos na Justiça Federal. São 21 réus e mais de 400 testemunhas. Não há perspectiva de um desfecho a curto ou médio prazo e o risco de prescrição de alguns crimes é grande. O Brasil não aprendeu com Mariana. Aprenderá com Brumadinho?

    * Cristina Serra, jornalista, é autora do livro Tragédia em Mariana — A História do Maior Desastre Ambiental do Brasil

    Publicado em VEJA de 6 de fevereiro de 2019, edição nº 2620

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