Desde que seus índices de popularidade começaram a despencar, Lula alterou a agenda, passou a viajar pelo país, anunciou programas de forte apelo popular e convocou um publicitário para cuidar de sua imagem. São muitas as causas que influenciam a desaprovação do presidente — a inação em determinadas áreas, a falta de coesão e a percepção de que o governo é desorganizado e permeado por muitos conflitos políticos. Há um ingrediente em particular que, se não tem ajudado a ampliar a impopularidade, tem contribuído muito para dificultar o trabalho dos marqueteiros oficiais: as patacoadas da deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT. Por mais que o Palácio do Planalto tente deixar claro que o governo é uma coisa e o partido é outra, os dois acabam se misturando. Muitas iniciativas partidárias são interpretadas como posições do governo, o que tem provocado confusão, minado os esforços de Lula para tentar se aproximar de determinados setores da sociedade e potencializado estigmas.
Na semana passada, por exemplo, Gleisi estava na China, liderando uma comitiva de 28 petistas. A deputada elogiou a “democracia” do país. Disse, até mesmo, que o modelo deveria ser replicado em outros lugares: “O que eu vejo aqui, inclusive na organização do partido e da sociedade, é uma democracia e uma participação nos estratos mais baixos da sociedade aos mais altos no desenvolvimento do país. Quisera tivéssemos isso nos países em que o capitalismo é o coordenador da economia”. A China é governada pelo Partido Comunista há setenta anos, a liberdade de expressão é restrita e fazer oposição ao regime é crime. “Muitas vezes os países adotam sistemas que podem parecer ruins aos olhos de outros para se defender, para poder cuidar de seu povo, já que não encontram solidariedade”, justificou. Elogiar a ditadura chinesa não chega a ser uma novidade para quem já reverenciou as “democracias” da Venezuela e de Cuba, mas é um prato cheio para alimentar teorias conspiratórias do outro lado do espectro político. E, evidentemente, foi o que aconteceu.
Indiferente ao mal-estar que provoca, a deputada costumeiramente usa suas redes sociais e o site do partido como escudos para proteger aliados e como armas para atacar adversários. Um dos alvos prediletos é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Campos Neto tem fundo exclusivo que é afetado por decisões do banco como a definição dos juros. Presidente do BC que usa essas aplicações, burla IR e ganha com a alta do dólar e da Selic, não pode decidir a política de juros do Brasil”, já escreveu Gleisi. A petista também acusou a Transparência Internacional, uma entidade reconhecida em todo o mundo por ações de combate à corrupção, de tentar desviar dinheiro recuperado pela Operação Lava-Jato. “As investigações sérias revelaram que a TI foi não apenas cúmplice de Sergio Moro e Dallagnol na perseguição a Lula e ao PT: seus dirigentes tornaram-se sócios nas tentativas da dupla de se apropriar de recursos públicos ilegalmente, o que foi felizmente barrado pelo STF”, escreveu. São imputações graves.
Quando os ataques são dirigidos a alvos comuns do partido e do governo, os danos são considerados “aceitáveis”. O problema é quando não há essa sintonia. Na campanha eleitoral, Lula liderou uma frente ampla de partidos que se propunha a pacificar o país. O comportamento beligerante e certas opiniões da deputada destoam completamente desse objetivo. Ao mesmo tempo que elogia ditaduras, Gleisi dispara contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e contra o presidente da Câmara, Arthur Lira. No instante em que o governo tentava melhorar as relações com o agronegócio, ela publica rasgados elogios ao MST. A Justiça, ao que parece, também só é democrática e merece elogios quando recai sobre os adversários. Recentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal condenou um aliado do PT à inelegibilidade. “Sabemos o risco que a perseguição política gera para a própria democracia”, escreveu ela sobre a decisão.
Em fevereiro, Jair Bolsonaro promoveu um ato de apoio a ele mesmo em São Paulo que reuniu dezenas de milhares de pessoas. Foi uma bem-sucedida demonstração de força política. Para se contrapor ao ex-presidente, Gleisi, sem o aval do governo, convocou uma manifestação de apoio a Lula algumas semanas depois. Aconteceu o que o Planalto mais temia: o ato foi um fracasso. “A visão da Gleisi é estreita em relação a alianças, às relações políticas. Eu já disse isso para o Lula e para ela”, conta o deputado Washington Quaquá, vice-presidente do PT. O incômodo com as postagens chegou ao ponto de alguns dirigentes do partido discutirem a possibilidade de antecipar as eleições da legenda, marcadas para março de 2025. A ideia, no entanto, não avançou e tem chance zero de avançar. O motivo? Nos bastidores, sabe-se que muito do que Gleisi escreve ou fala reflete o que o próprio Lula pensa e não pode dizer. Ela apenas empresta a voz — daí a confusão.
ATUALIZAÇÃO — 19H13 de 20/04/2024: Após a publicação da reportagem, o Partido dos Trabalhadores publicou uma nota sobre a matéria. Confira:
Os ataques grosseiros da revista Veja à companheira Gleisi Hoffmann apenas confirmam o valor da presidente do PT na defesa do partido, do povo brasileiro e da democracia.
Sua atuação política coerente e calorosa confronta os interesses de uma revista antipetista, com longo histórico de mentiras contra o partido e nossas lideranças, a começar pelo presidente Lula.
Nos solidarizamos com a presidente Gleisi Hoffmann pelos ataques injustos, ao mesmo tempo em que ratificamos o reconhecimento pelo importante papel que ela desempenha no diálogo e articulação com as forças democráticas e progressistas, entre os partidos políticos e movimentos sociais do Brasil.
Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889