Artigo: a descriminalização das drogas pode beneficiar toda a sociedade
Especialista no mercado de cannabis defende que a proibição vende o fim das drogas, mas entrega violência e mercados ilegais
Na última quarta-feira, 2, foi retomado no STF o julgamento sobre a constitucionalidade da criminalização do porte e uso de drogas, debate que estava parado desde 2015. Agora o Supremo quer estabelecer claros limites de quantidades para diferenciar usuário e traficante. Segundo o voto do ministro Alexandre de Moraes, a lei é injusta ao aplicar penas muito diferentes a situações idênticas. Ele ressaltou ainda o fato de que esses jovens que chegam às cadeias, muitas vezes, réus primários, acabam aliciados pelas facções que operam de dentro do cárcere.
As críticas pelo envolvimento do STF sobre um tema que seria de responsabilidade do Legislativo começaram a surgir para além das redes sociais. O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defendeu que esse debate deve ser feito no Congresso Nacional. Ora, a iniciativa seria muito bem-vinda, visto que o efeito da lei não foi o esperado e que seus malefícios estão em vigor já há 17 anos.
Quer um exemplo prático dessa distorção? Imagine uma situação em que uma viatura policial aborda dois rapazes conversando ao lado de um carro estacionado na rua. Um deles entrega uma pequena quantidade de maconha ao policial. A partir desse momento, o destino desses jovens se torna incerto, dependendo de uma série de variáveis como local, idade, cor e grau de escolaridade. Se indícios de tráfico forem encontrados, eles podem ser considerados criminosos e receber pena de reclusão. Mas, e se não houver?
Aqui surge uma questão crucial: qual é o benefício em prender um usuário que não está envolvido com o tráfico? Alguns podem argumentar ingenuamente que a proibição do consumo levaria ao fim do tráfico, mas a história nos mostra o contrário. Durante a Lei Seca nos Estados Unidos, entre 1920 e 1933, a proibição do álcool resultou em um mercado ilegal crescente, controlado por facções criminosas violentas. O estado gastou milhões em fiscalização sem arrecadar impostos. Até que, finalmente, regulou o consumo de bebidas alcoólicas que hoje movimenta bilhões.
Essa mesma lógica se aplica à proibição das drogas, que alimenta uma guerra contra o tráfico com custos sociais e financeiros incalculáveis. A Lei Nacional de Drogas no Brasil, aprovada em 2006, despenalizou o usuário de maconha com penas alternativas, mas aumentou a população carcerária detida com pequenas quantidades de droga em 25% nos sete anos seguintes, enquanto a população encarcerada total aumentou em 80% no mesmo período. Jovens, especialmente aqueles de origem negra, com baixa escolaridade e réus primários são o perfil mais prevalente dos encarcerados, expondo a discriminação do processo penal.
A proibição é o que garante a manutenção das grandes organizações criminosas do tráfico. Um verdadeiro pacto de paz precisará da atuação conjunta dos Três Poderes para alcançarmos aquilo que todo cidadão quer: um ambiente seguro, saudável e próspero para viver. Pouco importa de onde partirão as medidas para que isso aconteça, sempre que resguardados os ditames democráticos.
Dê acesso seguro, com controle etário e conscientização, e você terá climas sociais como os de Portugal, Canadá e Holanda. Nesses países, os rapazes conversando ao lado do seu carro provavelmente nem seriam abordados pelos policiais pois não oferecem risco à sociedade.
*Viviane Sedola é empreendedora de impacto e fala sobre cannabis, tecnologia, startups, políticas públicas e o papel da mulher nesses espaços.