Até que tivesse o nome escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a cadeira do ex-ministro Ricardo Lewandowski no STF, no início de junho, Cristiano Zanin já havia passado um bom tempo como potencial “supremável”. Aliados de Lula, afinal, indicavam desde a sua vitória nas urnas contra Jair Bolsonaro, em outubro de 2022, que o advogado responsável pela reabilitação dos direitos políticos do petista era nome fortíssimo para uma das duas cadeiras que se abririam na Corte em 2023, com as aposentadorias de Lewandowski e da ministra Rosa Weber, atual presidente do Supremo. Lula, dizia-se, estava convencido de que não poderia repetir o que considera “erros” em indicações passadas.
Depois de alguma demora, o presidente finalmente concretizou a indicação no mês passado e nomeou oficialmente Zanin como integrante do Supremo na terça 4. Pois o ministro ainda nem tomou posse (está prevista para agosto), mas já está em curso uma nova campanha, de tiro mais curto e talvez mais disputada, agora pela cadeira de Rosa. A discretíssima ministra gaúcha, conhecida por falar somente nos autos, precisa deixar o cargo até 2 de outubro, quando completará 75 anos.
Até que a magistrada esteja próxima de deixar a cadeira, o rol de pretendentes deve afunilar, mas até agora o cardápio é variado. A lista inclui políticos graúdos, juristas remanescentes da corrida anterior e pressões da esquerda sobre Lula para que a cadeira seja mantida com uma mulher. Entre os que voltaram à bolsa de apostas estão os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão — apoiado por Alexandre de Moraes —, e do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, que conta com a simpatia de Gilmar Mendes. Há inclusive alternativas que conciliariam as preferências dos dois nomes mais influentes da Corte, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, que se aproximou de Gilmar e Moraes — inclusive em articulações pela indicação de Paulo Gonet como próximo procurador-geral da República —, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Gente próxima a Lula também cita o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, nome palatável a diferentes alas do PT, mas não só. “Ele é o nosso terrivelmente evangélico”, brinca um aliado do presidente, citando a religião de Messias e parafraseando Bolsonaro sobre as credenciais que o levaram a indicar André Mendonça.
Diante da aposentadoria de uma das duas mulheres no Supremo — a outra é Cármen Lúcia — e apenas a terceira a chegar à Corte em toda a sua história, setores à esquerda têm pressionado para que a vaga de Weber seja destinada a uma mulher, preferencialmente negra. A tese tem defensores abertos no governo. Na semana passada, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, declarou que Lula teria a “sensibilidade” de não reduzir a representatividade feminina. Por outro lado, aliados do petista chamam a atenção para a discrição da primeira-dama, Janja, cuja influência sobre o marido em temas como diversidade e inclusão é grande, no debate sobre o assunto. Na lista de mulheres à sucessão de Rosa, chegaram aos ouvidos do presidente, levados por aliados, nomes como os da jurista Vera Lúcia Araújo e da juíza federal Adriana Cruz, ambas negras, a ministra do STJ Regina Helena Costa, a desembargadora Simone Schreiber, conhecida pelos embates com a Lava-Jato fluminense no TRF2, e as advogadas Dora Cavalcanti e Flávia Rahal, ligadas ao Grupo Prerrogativas, que reúne juristas alinhados com Lula.
Interlocutores do presidente no meio jurídico e no governo, no entanto, relatam que a questão de gênero não tem sido, ao menos até o momento, um fator preponderante nas sinalizações que o presidente tem dado. Há interpretações diversas a respeito de como o petista deve conduzir a sucessão. Uma ala entende que, diante das incertezas sobre se o ministro Luís Roberto Barroso de fato antecipará ou não sua aposentadoria da Corte, como se especula, o petista teria na cadeira de Rosa a segunda e última indicação neste mandato (veja o quadro). Assim, esses aliados avaliam que Lula, novamente, escolherá alguém que seja da sua confiança, que lhe seja acessível, mas, sobretudo, mostre-se imune a guinadas da Corte à direita. Eventuais gestos políticos, diz essa ala, poderiam ficar para a escolha do procurador-geral da República, em setembro, e às cadeiras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — em junho, o petista nomeou a primeira ministra negra à Corte eleitoral, a advogada Edilene Lôbo. “O governo percebeu a importância dessas duas vagas, ainda mais sendo a de Rosa a última em potencial. O desequilíbrio que um só ministro pode causar é muito grande”, diz uma fonte próxima a Flávio Dino.
O entendimento de que Lula não vai titubear em indicar um novo ministro que lhe seja “confiável” não raro é justificado por seus aliados a partir de desilusões dele e do PT com escolhas feitas entre 2003 e 2015. Cármen Lúcia (indicada por Lula), Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin (por Dilma Rousseff) são frequentemente lembrados por petistas como decepções, sobretudo diante de alinhamentos à Lava-Jato. Ex-advogado do PT e ex-AGU do governo Lula, Dias Toffoli também costuma ser criticado por decisões contrárias ao partido e ao presidente, embora tenha empreendido um movimento de reaproximação com o petismo e Lula desde o ano passado. Em um dos lances mais recentes, o ministro admitiu em um julgamento no plenário que votou pela condenação do ex-presidente do PT José Genoino no mensalão mesmo considerando-o inocente, para que pudesse participar depois da dosimetria da pena que seria aplicada ao petista.
Por outro lado, há entre os aliados de Lula quem entenda que, depois de gastar o cartucho da “cota pessoal” com Zanin, o presidente deva se voltar à escolha de alguém acima de qualquer polêmica — além de ter sido advogado do presidente, Zanin recebeu muitas críticas por não ter mestrado, doutorado e uma produção acadêmica pujante. Os que fazem essa leitura veem a necessidade de haver um reequilíbrio na Corte diante não só da escolha do ex-advogado de Lula, mas também das indicações feitas por Bolsonaro, como a de André Mendonça, por argumentos como o de ser “terrivelmente evangélico”. “O presidente vai precisar dialogar um pouco com a liturgia. Com as últimas indicações, é como se o STF estivesse precisando de uma ‘reacreditação’”, diz um aliado.
Enquanto a disputada corrida por sua vaga se desenrola, Rosa Weber tenta fazer ao menos parte da vistosa pauta progressista que pretendia tocar em sua curta gestão (ela assumiu em setembro de 2022), mas enfrenta dificuldades. No caso do marco temporal, crucial para a demarcação de terras indígenas, ela chegou a cobrar que Mendonça, autor de um pedido de vista no começo de junho, devolva a ação para julgamento antes de sua despedida. Também não tem conseguido levar à votação a ação sobre a descriminalização de drogas para consumo próprio — uma nova tentativa está prevista para agosto. Outro tema caro a Rosa, a descriminalização do aborto em gestações com até doze semanas, tampouco avançou. Avalia-se que ela pode incluí-lo na pauta e antecipar o seu voto antes da aposentadoria. De tédio, como se vê, os bastidores do Supremo não morrerão até a partida de Rosa.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849