Point do surfe, Saquarema vive boom de dinheiro por causa do pré-sal
Cidade fluminense de 92 000 habitantes tornou-se um dos melhores casos no país do uso sábio de recursos do petróleo
Paraíso hippie nos anos 70, quando sediou festivais com artistas como Raul Seixas, e que depois se consolidou como um dos principais pontos de surfe da costa brasileira, Saquarema, no litoral do Rio de Janeiro, agora aproveita uma outra onda: a do dinheiro do petróleo. Nos últimos três anos, a exploração de novos poços do pré-sal no Campo de Tupi, a 180 quilômetros da orla, fez transbordar os cofres do município — entre 2020 e 2022, a arrecadação anual disparou de 763 milhões de reais para quase 2,6 bilhões de reais. Como resultado, a prefeitura tem dinheiro sobrando em áreas sensíveis como educação e saúde — onde, por lei, deve ser aplicada a maior parte da verba — e feito investimentos em programas sociais até então inconcebíveis para uma localidade de apenas 92 000 habitantes. Dessa forma, tornou-se um dos melhores casos no país do uso sábio dessa fonte de renda, um exemplo que, infelizmente, não é seguido por outros municípios bafejados pela mesma sorte.
No caso de Saquarema, são visíveis por quase todos os cantos os frutos dos investimentos. Na educação, a sobra de dinheiro fez com que o governo municipal criasse uma poupança, um fundo para uso em projetos futuros. Além de uniforme, material escolar, notebooks e transporte gratuitos, os alunos da rede municipal têm acesso a aulas de robótica, dança e artes marciais. Não existe fila para creches, e mais de 4 500 jovens recebem bolsas integrais para cursar o ensino superior em cidades vizinhas. Os professores da rede ganham bônus por desempenho e incentivo à formação continuada. A prefeitura inaugurou ainda um Centro de Treinamento de Surf, onde os atletas desfrutam de instalações e acompanhamento de alto nível.
A prosperidade atinge também outras áreas vitais, como saúde e assistência social. O município inaugurou um hospital de média e alta complexidade que atende a toda a região — que custou 55 milhões de reais — e abriu nove unidades básicas. “Nossas escolas são consideradas melhores que as privadas e não dependemos mais do estado para cirurgias oncológicas”, diz a prefeita Manoela Peres (DEM), que, não por acaso, foi reeleita em 2020 com 78,5% dos votos. A cidade tem ainda auxílios em dinheiro para a população, como uma bolsa-maternidade e uma espécie de Bolsa Família local, que paga 300 reais a cada beneficiário por mês.
Os mesmos royalties que trazem prosperidade a Saquarema são alvo de uma ruidosa disputa entre várias outras cidades, ao longo da costa fluminense e do Litoral Norte paulista, que contestam na Justiça os critérios de divisão pouco claros que favorecem desproporcionalmente alguns municípios — a estimativa é que 300 municípios briguem hoje nos tribunais para tentar receber mais dinheiro do petróleo. O Fundo Social do Pré-Sal, criado em 2010 para balancear a distribuição dessa verba, nem tem regulação ainda. “A conta tem saldo superior a 100 bilhões de reais, mas a falta de legislação impede o saque”, explica o economista Rica Mello, professor da FIA Business School.
Mesmo quando uma localidade tem acesso aos recursos, depende da gestão do município para que o ouro negro não vire uma maldição, como ocorreu com outra cidade litoral fluminense, Macaé. Conhecida como a “capital do Petróleo” na virada dos anos 2000, ela viu a população saltar de 30 000 para 260 000 pessoas em menos de vinte anos, enquanto a receita dos royalties diminuía, o que acarretou problemas sociais e urbanos. Hoje, tenta se reinventar para reduzir a dependência do petróleo. O fato é que a cidade deixou passar a onda que agora impulsiona o progresso em Saquarema.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836