Área considerada vitrine para qualquer governante, a educação está no centro de um novo desafio em dois importantes estados brasileiros. Paraná e São Paulo lançaram iniciativas para terceirizar a gestão de escolas públicas com o objetivo de aperfeiçoar a eficiência da administração das unidades e, como consequência, melhorar o desempenho dos alunos. Pioneiros, os projetos ainda são um experimento direcionado a parte pequena da rede pública de ensino fundamental e médio, mas já despertam reações contrárias, quase todas movidas por corporativismo e oposição política.
A iniciativa mais adiantada é a do Paraná, comandado pelo governador Ratinho Jr. É também onde está o maior barulho. O programa Parceiro da Escola, aprovado pela Assembleia Legislativa (Alep) em 4 de junho, prevê que 204 unidades de ensino possam ter a sua gestão administrativa de serviços como manutenção, limpeza e vigilância feita por empresas terceirizadas. Hoje, a maioria das tarefas já é prestada assim, mas por meio de contratos individuais com firmas especializadas. Com o novo programa, a governança será feita por uma única companhia de gestão educacional, escolhida em processo público (veja o quadro). O governo defende que, assim, os diretores poderão focar na condução pedagógica, que não irá mudar: diretores e professores continuarão com a autonomia existente, seguindo o currículo da Secretaria de Educação. “Queremos tirar a burocracia dos ombros dos diretores. Deixá-los focados na aprendizagem”, diz o secretário de Educação do Paraná, Roni Miranda.
A ideia faz muito sentido, está sendo aplicada em um universo relativamente pequeno (menos de 10% dos estabelecimentos da rede) e a medição dos resultados daqui para frente pode mostrar se ela realmente funciona na prática, mas detalhes do projeto enfrentam fortes resistências, sobretudo a licença para as empresas poderem contratar docentes temporários. O APP-Sindicato, que representa a categoria de professores do Paraná, convocou uma greve que durou três dias, com direito a invasão da Assembleia Legislativa do estado por manifestantes. O governo pediu a prisão da presidente da entidade, Walkiria Olegário, e a inclusão dos grevistas no inquérito que apura o episódio. O sindicato deve entrar em breve com uma ação contra o projeto. “Passar a gestão e os recursos da educação para uma empresa privada é inconstitucional”, entende Olegário, forçando ao limite a interpretação do que está na Carta.
A intenção de mudar o paupérrimo cenário do ensino público com ajuda da iniciativa privada ganha espaço também em São Paulo. O programa Novas Escolas, autorizado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na semana passada, é uma parceria público-privada e, assim como no Paraná, visa uniformizar a terceirização de serviços sem mudar a condução pedagógica. A implementação valerá para 33 unidades a serem construídas pela PPP. As escolas serão divididas na licitação em lotes de 16 e 17 unidades — cada um será gerido por 25 anos por uma vencedora.
Além de usar a experiência para tentar melhorar o ensino, o projeto mira na ampliação das escolas de tempo integral. “Teremos fiscalização contínua, com avaliação sobre como será feita essa prestação de serviços, a modelagem financeira e o padrão construtivo das unidades”, diz Vinicius Neiva, secretário-executivo da Educação. Segundo ele, uma escola nova, adequada, com modelo de arquitetura voltada à aprendizagem, melhora o ambiente para que o aluno tenha melhor desempenho. No caso paulista, não serão empresas de educação, mas, sim, prestadores responsáveis pela contratação e gestão das atividades administrativas. Não haverá a possibilidade de contratação de docentes, nem mesmo temporários.
Até agora, a oposição ao Palácio dos Bandeirantes tem debatido o projeto de forma rasa. O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à prefeitura da capital, vociferou nas redes sociais que o governo está tentando privatizar o ensino. Atitude que merece nota dez em demagogia — e zero em interpretação de texto. “Precisamos que esse projeto não avance”, postou. No Paraná, a deputada Gleisi Hoffmann (PT) criticou a ideia do governador Ratinho Jr. na mesma linha. “Seguimos ao lado da APP-Sindicato contra essa sabotagem ao direito de todos e dever do Estado”, publicou a presidente nacional do PT.
Embora tenham suas particularidades, as iniciativas têm um elemento em comum: Renato Feder, ex-secretário da Educação do Paraná entre 2019 e 2022 e atual titular da pasta em São Paulo. Durante a sua gestão no governo parananense, ele iniciou a implementação da terceirização da administração de escolas, que agora tornou-se lei estadual. Por lá, já foram testadas duas unidades sob o novo modelo, com índices positivos de aprovação da comunidade escolar.
Há muito que a educação pública brasileira acumula indicadores vexatórios — por isso, qualquer tentativa de mudar esse cenário merece ser estudada com seriedade. Na mais recente edição do Pisa, ranking global que monitora o ensino em 81 nações, o Brasil ocupou o 52º lugar em leitura, 62º em ciências e 65º em matemática. Em quase vinte anos de aplicação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que utiliza uma escala de qualidade de 0 a 10, nenhuma rede estadual do país chegou à nota 5 no ensino médio. Entre 2011 e 2021, tanto São Paulo quanto Paraná superaram as médias nacionais nessa métrica (respectivamente, 4,4 e 4,6 em 2021) e estiveram entre as primeiras posições entre os estados, o que sugere que os ensinos paulista e paranaense caminham na direção certa, embora ainda haja longa estrada a percorrer. “Não estamos conformados, queremos nos comparar com os melhores países da América Latina”, diz Roni Miranda, secretário do Paraná.
Os planos de gestão mista de São Paulo e Paraná têm precedentes internacionais. No exterior, o modelo mais frequente é o das charter schools, escolas inteiramente geridas por organizações sem fins lucrativos custeadas por verba pública. Há tantos resultados positivos quanto negativos nesse esquema. “Não existe bala de prata para o desafio da educação brasileira, mas essas propostas tornam mais sustentável a missão de entregar ensino público de qualidade, desde que a autonomia do Estado sobre o currículo seja respeitada”, diz Claudia Costin, professora da FGV e ex-diretora de Educação do Banco Mundial.
Um receio comum é que haja prejuízo no ensino, mesmo com a divisão de tarefas. “Todos os funcionários da instituição são responsáveis pelo acolhimento e formação do estudante”, diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec. Defensores da medida ressaltam que a terceirização das atividades de suporte já existe, mas a fragmentação e a burocracia estatal tornam os processos lentos e ineficazes. O fato é que o atual modelo, mesmo recebendo uma das maiores fatias dos orçamentos — 25% no caso dos estados —, não mostra resultados. Nesse sentido, as experiências em São Paulo e no Paraná podem levar a algum choque de gestão nas escolas do país. Diante do retrospecto anterior, não há dúvidas de que vale a pena fazer essa lição de casa.
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898