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Pela 1ª vez, um agente pode ser sentenciado por violações na ditadura

Carlos Alberto Augusto, ex-Dops, é acusado de ser o responsável pelo desaparecimento do ex-­fuzileiro naval Edgard de Aquino Duarte

Por Tatiana Farah Atualizado em 4 jun 2024, 13h43 - Publicado em 12 fev 2021, 06h00
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  • Nos anos 70, Carlos Alberto Augusto era um investigador novato e circulava com uma metralhadora a tiracolo no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A arma lhe rendeu um apelido que ele hoje renega: Carlinhos Metralha. Na época, o policial acabou na linha de frente do combate à oposição ao regime e circulava ao lado de repressores célebres como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (cultuado até hoje pelo presidente Jair Bolsonaro) e o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que era o chefe de Metralha. Quase cinco décadas depois, ele se encontra no banco dos réus devido a um crime cometido no período de chumbo. Por causa da idade (77), dificilmente irá para um presídio na hipótese de condenação (a pena prevista é de oito anos de cadeia). Mesmo se for absolvido, o caso terá um valor histórico: será o primeiro agente sentenciado em um processo em razão das barbaridades praticadas durante a ditadura.

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    Metralha é acusado de ser o responsável pelo desaparecimento do ex-­fuzileiro naval Edgard de Aquino Duarte, que foi expulso da Marinha por participar da Revolta dos Marinheiros, em março de 1964, pouco antes do golpe militar. No início dos anos 70, Duarte morava clandestinamente em São Paulo com o cabo José Anselmo dos Santos, o líder daquela rebelião e igualmente expurgado das Forças Armadas. As investigações apontam que Duarte foi preso porque sabia da prisão de Anselmo, que na época militava na esquerda. Ex-presos políticos ouvidos por VEJA contam que Duarte chegou ao Dops com o rosto coberto. Adriano Diogo, ex-­presidente da Comissão Estadual da Verdade em São Paulo, era um dos colegas de cárcere. “Ele chegava perto da nossa cela e dizia que era muito maltratado e que achava que iam matá-lo”, relata. Já Ivan Seixas encontrou Duarte tanto no Dops quanto no DOI-Codi, outro braço da repressão, entre 1971 e 1972. “Em 1973, ele tinha sumido”, afirma.

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    A VÍTIMA - Edgard de Aquino Duarte: para o MPF, seu desaparecimento, em 1973, foi ação de agentes do governo -
    A VÍTIMA - Edgard de Aquino Duarte: para o MPF, seu desaparecimento, em 1973, foi ação de agentes do governo – (//Reprodução)

    Trajetória completamente diferente teve o ex-colega de Duarte, o cabo Anselmo. Ele aceitou mudar de lado para sair da prisão, o que ocorreu dias depois — e passou a atuar como agente infiltrado dos militares na esquerda. Essa conversão, aliás, gerou a tese mais aceita hoje para explicar o sumiço do ex-fuzileiro. Segundo ela, temia-se que Duarte, ao tomar conhecimento da traição de Anselmo, conseguisse emitir um aviso de dentro do cárcere para alertar a militância. “Por isso mantiveram-no tanto tempo nos porões”, diz o procurador Andrey Borges, responsável pelo caso de Carlinhos Metralha. “E quem prendeu e fez o Anselmo virar ‘cachorro’, dizendo isso em depoimento, foi o Carlinhos Metralha”, completa ele, referindo-se ao apelido dado nos tempos da ditadura aos informantes.

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    No processo, aberto há nove anos para apurar as responsabilidades a respeito do sumiço de Duarte, Metralha era alvo junto com o coronel da reserva Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, e o ex-delegado Alcides Singillo, mas, como ambos morreram, ele está só no banco dos réus. Agora, espera-se apenas pela sentença na 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo, prevista para sair nas próximas semanas. O MPF se valeu da estratégia de apresentar o caso como sequestro, um crime que só termina com o aparecimento da vítima. “Nunca houve o encontro do corpo. Assim, não se aplica a Lei de Anistia porque a conduta está sendo praticada até hoje”, defende Borges.

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    MEMÓRIA - Protesto em São Paulo: familiares lembram as 434 pessoas mortas ou desaparecidas durante o regime militar -
    MEMÓRIA - Protesto em São Paulo: familiares lembram as 434 pessoas mortas ou desaparecidas durante o regime militar – (Paulo Pinto/Fotos Públicas)

    Metralha rejeita ter sido o responsável pelo desaparecimento de Edgard. “O que comunista fala não tem valor, é revanchismo. Não provam nada. Daquela época, eu me arrependo de ter trabalhado apenas vinte horas por dia. Devia ter trabalhado 22”, afirmou a VEJA o ex-delegado, por telefone de sua casa, um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, onde diz plantar hortaliças. “O Edgard não interessava para nós de jeito nenhum. A imprensa diz que ele estava fora da militância havia alguns anos e é verdade. Ele não foi preso por nós. Tenho certeza.”

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    A luta para punir os crimes dos anos de chumbo não tem sido fácil no Brasil. Borges e outros procuradores integram o grupo de Justiça de Transição do MPF, responsável por tentar desde 2012 criminalizar agentes da ditadura apesar da Lei de Anistia, de 1979. Das 48 denúncias feitas, apenas três resultaram em ação penal — e a de Carlinhos Metralha é a primeira que vai a julgamento. A Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011 e extinta em 2014, apontou 434 vítimas mortas ou desaparecidas e 377 agentes do estado ou pessoas a seu serviço envolvidas em graves violações de direitos humanos. O documento trazia 29 recomendações, das quais 22 nada ou pouco avançaram. Mas nunca é tarde para começar a acertar as contas com esse passado sombrio.

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    Com reportagem de Juliana Castro

    Publicado em VEJA de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725

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