Em 13 fevereiro de 2019, Marco Camacho, o Marcola, foi transferido da cadeia de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, para o presídio federal de segurança máxima em Rondônia, após a descoberta de um ousado plano para resgatar o líder do PCC. De acordo com o serviço de inteligência da polícia, criminosos especialmente contratados para a operação tomariam de assalto Presidente Venceslau depois de colocar abaixo os muros com bombas. O chefão seria resgatado de helicóptero e levado a um aeroporto particular, onde embarcaria em um jatinho rumo ao Paraguai. Às vésperas da transferência, drones não identificados sobrevoaram a penitenciária por dias. Com a remoção para Rondônia, as autoridades abortaram o plano para resgatar o traficante — mas, segundo o próprio Marcola, a ação apenas foi adiada. Antes de sair de São Paulo, ele repassou um recado cifrado aos colegas de cela: uma nova fuga já estava planejada e ocorreria em no máximo um ano.
Quem conhece o líder do PCC sabe que ele não costuma blefar. Por segurança, o bandido, condenado a mais de 330 anos de prisão por tráfico de drogas, formação de quadrilha, homicídios e roubos, também não ficou muito tempo em Rondônia. As autoridades avaliaram que, apesar de se tratar de um presídio federal, sua proximidade com a Bolívia (pouco mais de 200 quilômetros separam a capital do estado da fronteira) poderia servir como rota de escape para o criminoso. Por isso, pouco mais de um mês depois de ter sido levado para Porto Velho, Marcola foi transferido para o presídio federal em Brasília, distante 15 quilômetros do Ministério da Justiça. Faltando duas semanas para o fim do prazo estipulado pelo traficante para a fuga, as autoridades estão em alerta máximo.
Na segunda quinzena de dezembro, a polícia de Brasília encaminhou um informe confidencial ao staff do ministro Sergio Moro em que afirmava que vinha sendo arregimentada uma equipe para retirar o traficante de Brasília. Investigadores estimam que a logística do plano não sairia por menos de 30 milhões de reais, valores facilmente recuperáveis com a venda de apenas 200 quilos de cocaína em portos europeus. Um drone, a exemplo do que ocorria na cadeia de São Paulo, sobrevoou o presídio de Brasília em 20 de dezembro supostamente para o reconhecimento de fragilidades, mas nada aconteceu. Tanques e blindados do Exército brasileiro cercaram o local. Na terça 21, uma operação de guerra foi montada para que Marcola saísse do presídio para fazer um exame de colonoscopia num hospital de Brasília — ele tem problemas de estômago e úlceras. Foram mobilizados soldados, policiais, helicópteros e até vigilância aérea nos arredores do centro clínico, que acabou sendo totalmente interditado. Depois da realização do exame, o líder regressou à cadeia de segurança máxima e permanece confinado. Foram cinquenta minutos de tensão.
Apesar da prisão de Marcola, o PCC segue lucrando e se expandindo no Brasil e no exterior. A facção tem hoje mais de 30 000 membros, opera por meio de um sistema de células sem poder central e caminha para se tornar um cartel internacional, conforme investigações da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo. Nos últimos dias, esse poder foi posto em prática em Pedro Juan Caballero, cidade que faz fronteira com Ponta Porã (MS), e em Rio Branco (AC). No primeiro caso, 76 presos escaparam do presídio que leva o mesmo nome do município do Paraguai, numa das maiores fugas já registradas no país. Entre eles estavam quarenta brasileiros e 36 paraguaios. Todos eram do Pavilhão B, reservado a membros do PCC. No caso do Acre, 26 detentos fugiram — utilizando uma teresa (corda feita de lençóis) — de uma ala destinada a filiados da facção paulista e do aliado local Bonde dos 13.
As forças de inteligência do Paraguai descobriram um plano de resgate no presídio de Pedro Juan Caballero em dezembro de 2019. O alerta, aparentemente, serviu apenas para elevar os valores das propinas às pessoas que poderiam facilitar a operação. Na véspera da fuga em massa, circulavam boatos na fronteira de que o PCC estava pagando 80 000 dólares a agentes penitenciários e policiais para concretizar seu projeto de libertação. Na manhã seguinte à debandada, a polícia deparou com um túnel de 20 metros que ligava o Pavilhão B a um buraco do lado da guarita, uma cela com uma pilha de 200 sacos de terra, portões destrancados e câmeras sem funcionar — até as fotos de alguns detentos haviam sumido “misteriosamente” dos registros. “Isso não foi uma fuga, mas uma liberação de presos”, classificou o ministro do Interior paraguaio Euclides Acevedo. A primeira providência tomada foi prender o diretor e trinta agentes penitenciários. “É evidente que os funcionários sabiam e não fizeram nada”, afirmou a ministra da Justiça, Cecilia Pérez.
Dos 76 fugitivos, apenas sete foram recapturados até a última quinta, 23. O caso do único brasileiro pego até agora ilustra bem a situação precária do sistema penitenciário do Paraguai. Ele era procurado como Eduardo Alves Cunha, nome com o qual foi fichado e condenado na Justiça paraguaia por tráfico. A polícia brasileira, no entanto, descobriu que, na verdade, ele era Luis Alves da Cruz. “Isso é muito comum aqui na região, a maioria usa documentação falsa. É difícil achar os foragidos se não tenho foto de todo mundo nem os nomes verdadeiros”, disse a VEJA o delegado Fabrício Dias dos Santos, do 1º Distrito Policial de Ponta Porã. Em seu depoimento à polícia, o fugitivo contou que foi batizado na facção no Paraguai e “promovido” ao Pavilhão B após pagar 5 000 dólares. Segundo ele, foi pego de surpresa com a fuga no domingo. Acordou no meio da noite com a movimentação dos colegas de cela. “Eles estavam todos de camiseta, calça e tênis pretos. Aí eu fui junto. Saí pelo túnel, mas vi um pessoal indo pela porta da frente. Como não tinha dinheiro, fui largado no meio do caminho”, declarou ao delegado. A ousadia da facção é tão grande que as autoridades desconfiam que a fuga em massa não passou de um engodo.
Com a ajuda do governo federal, o secretário de Segurança de Mato Grosso do Sul, Antônio Videira, enviou mais de 200 homens — boa parte deles descaracterizada — para auxiliar na captura dos fugitivos. As cidades estão em estado de alerta com a possibilidade de invasão de propriedades e roubo de veículos. A maior preocupação é com a fuga de cinco pistoleiros da quadrilha de Sérgio de Arruda Quintiliano, o Minotauro, preso em fevereiro de 2019 acusado de ser o capo do PCC na fronteira. Pistolagem é uma atividade comum na região, mas a ousadia do bando vai longe — nos últimos dois anos, o grupo é suspeito de ter matado uma advogada, um candidato a prefeito e até um policial civil, além de ter metralhado com mais de 100 tiros uma casa e explodido quase um bairro inteiro do lado paraguaio. Durante as buscas pelos fugitivos, a polícia acabou pegando o suspeito de ser o sucessor de Minotauro, Edson Salinas, flagrado com 17 000 reais numa mala e uma pistola pelas ruas de Ponta Porã. Ele foi enviado ao presídio estadual de Dourados (MS), enquanto Minotauro e Marcola permanecem na penitenciária federal de Brasília.
O isolamento do chefão não afetou atividades como o tráfico de drogas, que segue a todo o vapor. “O PCC sabe se reconfigurar e substituir peças-chave sem afetar seu principal negócio”, diz o delegado da Polícia Civil de São Paulo Everson Contelli. Desde que Marcola desembarcou em Brasília, a rotina da cidade mudou. Policiais descobriram que uma casa foi alugada a 40 quilômetros da penitenciária para abrigar parentes de criminosos e servir de esconderijo para comparsas. Uma dupla de advogados foi alvo de buscas e está sendo investigada por atuar como mensageira das ordens do PCC. Bilhetes interceptados pela polícia com os bandidos traziam referências a “ir para cima dos vermes que mandaram nossos amigos para aquele lugar desumano”, em alusão aos responsáveis pela transferência dos criminosos para presídios federais. Desde as fugas em Pedro Juan e Rio Branco, as autoridades emitiram alertas extras para tentar detectar possíveis sinais de comunicação de Marcola com o mundo exterior. Para o PCC, resgatar o chefão da cadeia é uma demonstração de força. Para o Brasil, mantê-lo trancafiado é uma questão de honra.
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671