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Os bastidores da queda de Deltan Dallagnol, cassado pelo TSE

Um dos heróis da luta contra a corrupção é cassado com base na Lei da Ficha Limpa e terá muita dificuldade para voltar à política

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h35 - Publicado em 19 Maio 2023, 06h00
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  • Eleito deputado federal em outubro do ano passado com 344 000 votos — recorde do Paraná naquele pleito —, o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos-PR) permaneceu no cargo apenas 104 dos 1 460 dias a que teria direito. Cassado de forma unânime pelo Tribunal Superior Eleitoral, na terça 16, o agora ex-­par­la­men­tar foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, a mesma que, por ironia, tirou do caminho das urnas em 2018 Luiz Inácio Lula da Silva, um dos principais alvos da Lava-Jato chefiada por Deltan. Após a decisão do TSE, ele publicou o seguinte nas redes sociais: “Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção”, escreveu. No dia seguinte, em pronunciamento na Câmara, subiu ainda mais o tom. “Os corruptos e seus amigos estão em festa”, afirmou, criticando nominalmente Alexandre de Moraes, presidente do TSE, que teria liderado os outros ministros da Corte no caso. Com a cassação, quem deve ocupar a vaga é o pastor evangélico Itamar Paim, do PL.

    Apesar do discurso duro e indignado, Deltan não conseguiu disfarçar o abatimento com a decisão, pois sabe que terá pela frente a difícil tarefa de reverter a sentença que o tornou inelegível por oito anos, cortando de forma abrupta o início de sua carreira política e o desejo de concorrer à prefeitura de Curitiba em 2024. A defesa de Dallagnol ficará a cargo da equipe jurídica do Podemos, que já começou a esboçar os argumentos que devem ser usados para recorrer da decisão no próprio TSE, com embargos de declaração (com remotíssimas chances de reversão), e também no Supremo. Os prazos dos recursos são curtos: três dias no TSE e outros três no STF. “Em termos jurídicos, as chances do Deltan no Supremo são boas, mas politicamente, nem tanto, pois não sabemos em qual turma o caso vai cair e nem todos ali têm boa vontade com ele”, prevê o advogado Arthur Rollo, especializado em direito eleitoral.

    RIGOR - Benedito Gonçalves (à dir.), do TSE, sobre Deltan: “Agiu para fraudar a lei”
    RIGOR - Benedito Gonçalves (à dir.), do TSE, sobre Deltan: “Agiu para fraudar a lei” (Antonio Augusto/Secom/TSE)

    A queda a jato de um dos heróis da luta contra a corrupção começou a ser arquitetada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) paranaense, em agosto do ano passado, por um advogado filiado ao PL, pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) e pela Federação Brasil da Esperança, formada por PT, PV e PCdoB. As principais alegações foram de que Deltan, ao solicitar exoneração do Ministério Público Federal para se candidatar, tentou “driblar” uma possível inelegibilidade, pois ele era alvo de pelo menos quinze processos administrativos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), os quais poderiam resultar na pena de aposentadoria compulsória ou perda de seu cargo, o que sua defesa sempre negou. Outro processo citado foi o que gerou uma condenação no Tribunal de Contas da União, segundo a qual ele deveria ressarcir os cofres públicos por diárias recebida indevidamente na época da Lava-Jato. “O recorrido agiu para fraudar a lei, uma vez que praticou uma série de atos para obstar processos disciplinares contra si, e, portanto, elidir a inelegibilidade”, afirmou Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, após receber o caso da primeira instância. “Eles inverteram a presunção de inocência que beneficia tantos corruptos”, rebate Deltan, que torce para que seu caso fique na Primeira Turma do Supremo, bem longe das vistas de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, membros do segundo colegiado. “O sorteio das turmas vai definir o meu futuro.”

    Nos poucos mais de três meses em que esteve no Congresso, eleito com o discurso anticorrupção, a favor do porte de armas e contra Lula e o PT, ele propôs a criação de cinco projetos de lei. Um deles versa sobre a obrigatoriedade de bares e restaurantes adotarem medidas de auxílio a mulheres que estejam ou se sintam em situação de risco. Outro, em conjunto com vários parlamentares, proíbe o Brasil de emprestar dinheiro a países que estejam inadimplentes por empréstimos passados. Durante essa breve encarnação parlamentar, o ex-procurador travou discussões públicas com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e com o colega Guilherme Boulos (PSOL-SP). Com o segundo, Deltan chegou a ficar vermelho ao ser provocado, durante uma sessão no mês passado. “Inversão de valores é para quem perverte o combate à corrupção com conluio entre Ministério Público e juiz para fazer condenação política”, afirmou um calmo Boulos. “Como o senhor explica o fato de o dinheiro da Odebrecht ter sido usado para comprar o apartamento ao lado do de Lula, em São Bernardo? Ele quebrou a parede e passou a usá-­lo”, questionou o agora ex-parlamentar, mais exaltado, enquanto Boulos era flagrado pelas câmeras sorrindo.

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    Senador corre o risco de perder o mandato
    PREOCUPAÇÃO – Moro: defesa do amigo e certeza de que será o próximo alvo (Geraldo Magela/Agência Senado)

    Dentro do Congresso, um dos poucos aliados de Deltan e parceiro dele nos tempos de Curitiba (parceria tão forte que maculou a imagem e atuação dos dois, conforme ficou evidente nos diálogos da Vaza-Jato), o senador Sergio Moro lamentou a decisão. “Perde a política. Minha solidariedade aos eleitores do Paraná e aos cidadãos do Brasil”, disse o ex-­juiz. A pessoas próximas, Moro confidenciou que teme ser o próximo alvo da Justiça (Deltan acha a mesma coisa), por causa de questões como o pedido do PL do Paraná para que ele seja cassado devido a incongruências financeiras na sua campanha. Se essa previsão se confirmar, será a queda a jato da dupla que chegou a Brasília com grandes expectativas, mas que pode ser destroçada pelos adversários do passado.

    Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842

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