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O estranho caso da pequena cidade campeã em repasses do Congresso

Embora minúscula, ela recebeu R$ 109 milhões apenas em emendas parlamentares nos últimos quatro anos, 3 665% acima da média nacional per capita

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 jun 2024, 12h53 - Publicado em 7 jun 2024, 06h00
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  • A terça-feira 4 marcaria a segunda tentativa de inauguração de uma obra monumental de boas-vindas aos parcos visitantes da cidade de São Luiz, a menor do estado de Roraima. Orçada em mais de 2 milhões de reais, a construção de um portal com pinta de Arco do Triunfo iluminado por postes em estilo europeu, no entanto, está longe de sair do papel. A poucos metros dali, um punhado de galpões perto da mata faz parte de um projeto de 13 milhões de reais para a revitalização do parque de vaquejadas que também não foi levado adiante. Difícil entender o que acontece nesse município pobre, a cerca de 3 900 quilômetros de Brasília, onde boa parte dos 7 000 habitantes é cadastrada nos programas assistenciais do governo. Dinheiro, ao que parece, não é o problema. Embora minúscula, a cidade recebeu 109 milhões de reais apenas em emendas parlamentares nos últimos quatro anos, 3 665% acima da média nacional per capita. Proporcionalmente, é o lugar do país que mais recebeu recursos via repasses do Congresso.

    Em resumo: é tudo muito estranho. Segundo dados oficiais, 54% dos 109 milhões de reais enviados a São Luiz chegaram lá por meio das chamadas emendas “Pix” — dinheiro do Orçamento federal que deputados e senadores enviam diretamente aos municípios sem a necessidade de ter uma destinação específica, como construir uma escola ou um posto de saúde. Por causa dessa facilidade, prefeitos costumam usar essas verbas, entre outras coisas, em obras desnecessárias e para contratar shows de artistas famosos, especialmente em ano eleitoral. A falta de fiscalização também facilita os desvios e a corrupção. Só no ano passado, São Luiz recebeu quase 60 milhões de reais através dessa modalidade. Para um município que arrecada apenas 581 000 reais em impostos, era para ter dinheiro literalmente saindo pelo ladrão. Mas ninguém sabe dizer ao certo onde os recursos foram aplicados. O prefeito não concede entrevistas. Seus auxiliares também não.

    Em seu segundo mandato consecutivo, James Batista (Solidariedade) já frequentou o noticiário policial após uma operação apreender dinheiro escondido em absorventes femininos durante a campanha que o elegeu para o atual mandato. Ele foi cassado pela Justiça Eleitoral, reverteu a condenação e hoje tenta emplacar a mulher como prefeita da cidade vizinha, Rorainópolis. A Polícia Federal reuniu indícios de que Paula Florintino, a esposa, apresentou evolução patrimonial completamente incompatível com os rendimentos de servidora pública. Nada disso, porém, parece ter constrangido a bancada de Roraima. Um terço dos representantes do estado no Congresso enviou recursos a São Luiz. De novo, é tudo muito esquisito. Normalmente, os parlamentares destinam essas verbas às suas bases eleitorais em busca de votos. O município, porém, tem apenas 6 000 eleitores.

    EMENDAS - Mecias e Rodrigues: bancada enviou 109 milhões de reais à cidade
    EMENDAS - Mecias e Rodrigues: bancada enviou 109 milhões de reais à cidade (Edilson Rodrigues/Agência Senado; Waldemir Barreto/Agência Senado)

    O senador Chico Rodrigues (PSB), por exemplo, é o campeão de repasses à cidade. Foram 13 milhões de reais nos últimos quatro anos. O parlamentar explica por que São Luiz é uma de suas prioridades: “É uma região em que eu sempre fui bem votado”. Os nú­me­ros o contradizem. Em 2018, ele foi eleito com 111 000 votos. Destes, apenas 1 500 vieram da cidade — pouco mais de 1%. “O dinheiro das minhas emendas foi usado para construir casas populares”, justifica o congressista. Em 2020, durante uma operação da Polícia Federal que investigava desvio de dinheiro de emendas parlamentares, Rodrigues foi flagrado com 18 000 reais escondidos nas partes íntimas. Neste ano, ele mandou mais 6 milhões de reais para o município, que mantém um canteiro de obras abandonado com várias casas erguidas apenas pela metade.

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    A generosidade com São Luiz também era uma marca do senador Mecias de Jesus (Republicanos), que enviou ao município 4,5 milhões de reais. Nesse caso, era. Em 2018, a cidade deu a ele 1 893 votos. Neste ano, o parlamentar afirma que resolveu dar prioridade a outras localidades. Seu filho, o ex-deputado e atual ministro do Tribunal de Contas da União Jhonatan de Jesus, recebeu míseros 640 votos na última eleição. Um ano antes, Jhonatan havia enviado ao município 3,9 milhões de reais em emendas Pix. O ministro do TCU não quis se manifestar.

    Catalisadoras de escândalos de corrupção, as emendas Pix não permitem que o eleitor saiba ao certo o que foi feito com o dinheiro enviado pelos deputados e senadores. A fiscalização cabe aos próprios órgãos municipais, que, com mecanismos frágeis de controle e sob influência do prefeito de plantão, costumam ser inoperantes. “A gente não pode apontar o dedo, provar, mas o prefeito busca muito esses políticos e, na linguagem direta, se entende bem com eles”, acusa o candidato a vice-prefeito derrotado nas últimas eleições, Itamar Paiva Ponte da Silva. “O que a gente ouve são conversas, como ‘eu compro as tuas emendas’ etc.”, completa. Tudo muito, muito estranho.

    Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896

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