O esquema milionário de Dr. Jairinho para acobertar posse de imóveis
Apuração de VEJA relaciona o vereador, acusado de matar o menino Henry, a manobras de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro
Em qualquer relacionamento, o poder econômico sempre tem algum peso. No caso do vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, de 43 anos, e da mãe de Henry Borel, Monique Medeiros, de 33, presos e acusados do assassinato brutal do menino de 4 anos, esse componente foi um potente motor da união. Depois de quatro meses de namoro, o casal anunciou à família dela que iria morar junto. Antes de se mudar para o Majestic, condomínio de alto padrão onde Henry foi morto, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, Monique contou aos parentes, encantada, que ele havia lhe dito que tinha mais de cinquenta imóveis na cidade e ela podia escolher qualquer um. Cinquenta pode ser exagero para impressionar namorada, mas, de fato, o portfólio de propriedades associadas a Jairinho é bem vasto — e incompatível com os rendimentos do vereador em quinto mandato, com um salário líquido em torno de 14 000 reais.
VEJA investigou os registros de imóveis relacionados a ele e deparou com um esquema de transações que sugere manobras de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, inclusive com o uso de laranjas. Jairinho encaminhou à Justiça Eleitoral, na última votação, um total de bens avaliados em 313 705,42 reais, assim listados: um pequeno apartamento na Barra (que, estranhamente, já havia sido vendido), um carro, um consórcio de uma moto e parcos investimentos. A lista é falha, muito falha. A reportagem levantou dezessete imóveis ligados ao vereador, entre eles uma mansão em Mangaratiba, na Costa Verde do Rio, uma cobertura dúplex recém-vendida, uma sala comercial, um flat de frente para o mar e vários terrenos que somam, conservadoramente, 8 milhões de reais. Foi provavelmente ciente dessa dinheirama que, cinco dias antes da morte de Henry, Monique, já sabendo das agressões ao filho, ameaçou se vingar caso ele não continuasse “pagando as contas dela”.
A vida de luxos de Jairinho que atraiu Monique, segundo VEJA apurou, passa por uma empresa de compra e venda de imóveis, a Plus Consultoria e Participações. Em 2012, o político detinha 95% do capital do negócio. No ano seguinte, a Plus mudou de mãos para ser controlada pela irmã do vereador, Thalita Santos, e pelo ex-cunhado dele, o advogado Daniel de Carvalho. Thalita é fisioterapeuta e mora até hoje na casa da família em Bangu, na Zona Oeste do Rio. Carvalho, casado com uma irmã da ex-mulher de Jairinho, Ana Carolina Netto, é figura de confiança: trabalhou para o então deputado estadual Coronel Jairo, pai de Jairinho, atuou como um dos coordenadores da campanha do vereador em 2020 e foi nomeado assessor I de seu gabinete. O parlamentar saiu da sociedade da Plus, mas não perdeu o vínculo. VEJA teve acesso a uma procuração de 2013 em que a irmã e o ex-cunhado lhe dão plenos direitos de “assinar como se o próprio sócio fosse” e “comprar, vender, ceder, hipotecar, permutar” imóveis da empresa. “Trata-se de uma prática clássica de se ocultar patrimônio da Justiça”, diz o criminalista Augusto de Arruda Botelho, defensor de réus graúdos da Operação Lava-Jato.
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Antes de engatar o relacionamento com a mãe de Henry, Jairinho morou pelo menos cinco anos em uma cobertura dúplex no Condomínio Le Parc, endereço nobre na Barra. O apartamento, vendido em novembro passado por 2,2 milhões de reais, estava no nome da Plus Consultoria. “Em tese, é estranho uma empresa ceder um bem de graça a uma pessoa sem ela sequer fazer parte da sociedade”, observa o também criminalista Davi Tangerino, professor da FGV-SP. Nesse imóvel, decorado com móveis caros, o vereador vivia com Ana Carolina, com quem tem dois filhos. Segundo vizinhos, ela sofria surras constantes — fez dois registros contra o então marido na polícia, por lesão corporal. Já separada, Ana Carolina, que sempre dependeu financeiramente de Jairinho, registrou em seu nome uma sala comercial de 500 000 reais no requintado Shopping Vogue Square, também na Barra, onde abriu uma clínica de nutrição. “Ele equipou todo o espaço. Só uma balança profissional custou 38 000 reais e foi paga em cash”, relata outra pessoa próxima.
Ana Carolina, a ex de Jairinho, que não possui renda significativa própria, se mudou para um apartamento no famoso Península, condomínio do ex-prefeito Marcelo Crivella e do governador Cláudio Castro, um mês após a cobertura dúplex ser vendida pela Plus. O imóvel, de quatro quartos, está no nome do casal de filhos e ela tem seu usufruto. Outro endereço que, em um olhar desatento, não tem nada a ver com Jairinho foi recentemente colocado à venda por 2,4 milhões de reais. Trata-se da mansão de onze quartos no Condomínio Sítio Bom, em Mangaratiba. Em 2008, Jairinho declarou possuir 50% dessa propriedade. Nas campanhas seguintes, ela evaporou de suas declarações de bens. Em compensação, em 2011 a mesma e generosa irmã Thalita aparece como uma das responsáveis pela mansão, quando constitui Jairinho como seu procurador com plenos poderes para fazer o que bem entendesse com o seu quinhão.
A casa segue sendo usada normalmente pelo vereador e seus parentes. Justamente ali Monique foi apresentada à família dele no último réveillon. No mesmo endereço, no ano passado, Débora Mello Saraiva — outra namorada do político que teve um filho torturado por ele — foi espancada e mordida na cabeça. Nesse dia, como declarou à polícia, Thalita estava na propriedade. A fisioterapeuta, aliás, surge como sócia, além da empresa Plus, de mais cinco firmas ativas — outra de imóveis, que também divide com o assessor Carvalho, duas de odontologia, com parentes de seu pai, e duas de vestuário, em parceria com mais um familiar. Mas a Plus, com capital social de 1,2 milhão de reais, é a joia da coroa, tendo registrados ainda em seu nome duas propriedades em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, um flat à beira-mar no Recreio dos Bandeirantes e terrenos em Guaratiba, Zona Oeste do Rio, e nos municípios de Itaboraí e Seropédica. Já o apartamento de quatro quartos no Majestic, onde Henry foi espancado e morto, está em nome de Claudio da Silva Castro, morador do mesmo bairro de Bangu onde a família de Jairinho tem sua base política. Procurado por VEJA, Castro limitou-se a dizer: “Não temos amizade”. Tampouco mostrou algum contrato de locação.
Além da ampla rede de imóveis que não tem no papel, mas comanda e usufrui como se tivesse, Jairinho sempre foi conhecido pelo gosto por luxo. Na Câmara, que abriu processo para cassá-lo, exibia ternos Giorgio Armani e exalava perfume 212, de Carolina Herrera. Frequentava restaurantes caros, hospedava-se em hotéis sofisticados, fazia relaxamento capilar e tinha predileção especial pelas viagens a Portugal, para onde levou a ex-mulher e uma das namoradas. “Ele sempre andava com maços de dinheiro nos bolsos e pagava tudo em espécie”, diz um colega vereador. Na terça-feira 4, o inquérito que apurava a morte de Henry foi concluído pela polícia. O vereador e a mãe do menino foram apontados como autores do crime e vão responder por homicídio triplamente qualificado e tortura. Ele ainda deve ser incriminado por maus-tratos de outras duas crianças, filhas de ex-namoradas. O único imóvel ao qual Jairinho tem acesso nos últimos tempos, e de onde não deve sair muito cedo, é uma espremida cela coletiva em um presídio do Complexo de Bangu.
Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737