Eu e meus irmãos praticávamos boxe desde pequenos, incentivados por meu pai, Touro Moreno, ex-atleta e treinador. Minha primeira luta foi aos 10 e eu já era um aficionado. Sete anos mais tarde, o ringue transformou minha vida. Fui para São Paulo e me juntei a meus irmãos mais velhos, Esquiva e Yamaguchi, ambos medalhistas olímpicos. Cultivava esse sonho de estar entre os melhores com tamanha intensidade que, quando aconteceu, jamais imaginaria ser tão breve. Em 2011, eu era um dos favoritos na categoria meio-pesado para disputar os Jogos do ano seguinte, em Londres, e só pensava nisso. Mas eis que acabei sendo vítima do pior pesadelo para um atleta: sofri uma lesão no ombro esquerdo e precisei me afastar para passar por uma cirurgia. Deu tudo certo, voltei a praticar e segui o barco, embora forçando os limites do meu corpo. Um baita erro. Em 2014, estourei um ligamento no mesmo ombro, algo muito doloroso tanto do ponto de vista físico quanto do emocional. Foi duro o trajeto até concluir que não daria mais para ser um esportista de alta performance, o mais brutal de todos os golpes que levei.
No princípio, decidi que queria me tornar treinador. Cheguei a obter certificação internacional e tudo. Só que logo vi que aquilo não era para mim. Quando se tem um caminho na cabeça e ele some do horizonte, você fica perdido, vazio. Foi quando a filha da minha esposa me chamou a atenção com o curso que ela fazia, de manicure, ou nail designer. Imagine eu, que vivia com luvas nas mãos, de repente atraído por uma técnica tão delicada, segurando alicates. O fato é que me interessei e parti atrás dos bons cursos na área, usando amigas como cobaia, depois atendendo clientes. Eram até sete por dia. O que me entusiasmou foi o lado artístico e artesanal do ofício. Ao contrário do que podem achar por aí, o boxe e o design de unhas não são ocupações opostas. As mãos continuam sendo minhas ferramentas de trabalho e sigo produzindo arte, como antes.
Existe o mito de que todo boxeador é bruto, grosseiro. Na verdade, a maioria prima pela sensibilidade, quase que um pré-requisito para encarar a vida longe da brutalidade dos ringues. Soa estranho, eu sei, mas a transição de carreira foi leve. Temia não ser aceito pelas mulheres, minhas novas colegas de trabalho, e elas me acolheram muito bem. Já os boxeadores me rejeitaram no começo, disparando críticas. O pessoal do futebol também não me deu apoio. Faziam gracinhas e diziam, de forma debochada, que eu era gay. Um amigo chegou a falar que eu era o único na família de nove irmãos que não vingou. Pois não briguei nem soquei ninguém. Calei essas pessoas exibindo os resultados em minha nova profissão. E recebi o suporte de quem realmente importava: meus pais e irmãos. Meu pai, aliás, foi quem me batizou com o mesmo nome do inventor da lâmpada elétrica, o americano Thomas Edison, justificando: “Vivemos no claro, com luz, graças a ele”.
Hoje estou no claro, mais realizado do que nunca e em paz com a minha escolha. Tenho meu próprio negócio em Vitória, todo construído como concebi. Acho que consegui me diferenciar: ensino os outros na arte do nail design e mal tenho tempo de fazer a unha das clientes. Minhas palestras lotam. Ganho pelo menos três vezes mais do que quando era atleta. O plano agora é lançar um curso on-line para formar mentores e mentoras no ramo e organizar um workshop só para homens, para ajudar a dissipar essa nuvem de preconceito sobre uma opção que é como qualquer outra. Até boxeadores agora me procuram, curiosos para saber como é. Em alguma medida, sei que estou contribuindo para quebrar estereótipos sobre masculinidade ainda tão arraigados em nossa sociedade.
Thomaz Edson Falcão em depoimento dado a Duda Monteiro de Barros
Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792