O xadrez entrou na minha vida aos 4 anos. Meu pai estava no meio de uma partida na internet, e eu adorei aquele jogo. Comecei a pedir para jogar com ele e, aos poucos, fui aprendendo as regras, os movimentos das peças. Tive a sorte de ter esse ótimo professor: meu pai sempre me ensinou de forma divertida. No início, ele até deixava eu ganhar. Era a maneira de me incentivar e me manter interessada, motivada a querer mais. E funcionou. Sempre gostei de fazer atividades fora da escola — teatro, dança, flauta, piano, tae kwon do, inglês. Mas nada, nada mesmo se compara ao xadrez. O que mais me atrai é pensar durante horas nas estratégias. Só que, de repente, nada sai como o previsto, e aí o legal é refazer a tática, uma brincadeira viciante. Tanto que ficava horas jogando com meu pai, e ele viu um futuro em mim. Procurou, então, uma treinadora e, com ela, minhas habilidades foram melhorando.
Virou uma coisa mais séria em janeiro de 2022, quando participei do meu primeiro torneio. Estava fazendo aula com essa minha treinadora e ela contou que iria disputar o Floripa Chess Open, uma competição relevante no circuito brasileiro. Fiquei tão empolgada com a ideia que perguntei se tinha para a minha idade. Tinha. E lá fui eu com meu pai, enfrentar gente desconhecida pela primeira vez. Dos quatorze jogadores, era a única menina e uma das raras novatas ali. Ainda assim, levei o quarto lugar. Foi nesse momento que coloquei na cabeça o objetivo de ser a primeira, o que aconteceu uns meses depois: virei a campeã brasileira entre as meninas de 8 anos. Logo viajei para o Pan-Americano, no Uruguai, e para o Sul-Americano, no Paraguai, onde subi ao pódio como campeã. Mais tarde, em 2023, me tornei a número 1 do ranking da América Latina na minha idade. E não parei.
Sempre que sinto que está ficando fácil, busco complicar. Por isso, decidi avançar uma categoria, para duelar com pessoas um pouco mais velhas, de 10 anos. Uma grande vitória veio este mês, com o título de mestre nacional, que em geral dão a adultos. Sou a mais jovem menina a receber essa láurea no país, num ambiente dominado por meninos. Me dou bem com eles e acaba me batendo aquela vontade ainda maior de vencer. Em geral, são supercompetitivos. Não é um problema, entro na briga. Se eles debocham de mim, o que às vezes acontece, devolvo na hora e levo na brincadeira. Vou crescendo assim. Seria legal ter mais mulheres no xadrez. A gente fica assistindo às grandes partidas e cadê elas? São minoria. Sem perceber, o preconceito está vivo. Uma vez, o pai de um dos competidores falou a meu pai que eu era tão boa que me tornaria a mais forte jogadora na raia feminina. Meu pai reagiu na hora. Disse que, na verdade, eu despontaria como a melhor de todos, entre homens e mulheres.
O xadrez me abriu muitas portas. Fiz amigos do mundo todo — peruanos, colombianos, americanos. Você tem contato com outras culturas e ainda conhece colegas com os quais um dia vai competir. Quero muito seguir como jogadora profissional. Sei que eu sou nova e que todo mundo pensa: calma que tudo muda. Mas o que tive a sorte de descobrir tão cedo — um incentivo para o meu raciocínio que tanto me diverte — parece ser mesmo o meu caminho. Até na escola isso me ajuda. Em matemática, por exemplo, crio minhas próprias fórmulas para resolver os problemas. O xadrez deixa minha cabeça em ação constante. No ano passado, tive a oportunidade de jogar com o melhor brasileiro do ranking hoje, o Luis Paulo Supi, só de brincadeira, para treinar. Perdi, claro, mas a derrota vai formando uma casca e servindo de empurrão. Quero — e vou — chegar cada vez mais longe.
Maria Eduarda Tischler em depoimento dado a Mafê Firpo
Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885